As pinturas faciais e as maquiagens foram algo que sempre estiveram presentes em minha vida mas que dei o devido valor depois de muito tempo. Sempre vi e continuo vendo a arte em geral como a melhor forma de se expressar e um dia que foi crucial para que eu entendesse a importância da maquiagem em minha vida foi a segunda vez que fui para a Parada Gay em minha cidade, no dia 1 de julho de 2018, o dia em que me senti livre para fazer de meu corpo minha primeira tela.
Em questões de aceitação, devo agradecer ao universo pela mente aberta de minha família, sempre fui uma pessoa com um espírito livre e meio doida, que nunca sentiu necessidade de se esconder - entendo completamente meus privilégios, pois meus pais nunca me prenderam ou fizeram algo contra o que sou. Cresci seguindo uma frase dita por Cazuza, que me marca até hoje, só quem se mostra se encontra, por mais que se perca no caminho. Naquele dia eu queria me mostrar, mesmo que um pouquinho. Peguei então as tintas que minha mãe usava para pintar roupas e alguns pincéis de maquiagem - minha mãe é maquiadora, o que facilitou minha loucura - e fui para a frente do espelho. Ressalto aqui o fato de que meus artistas favoritos são Queen, David Bowie e Lady Gaga, então não é muito difícil saber o que esperar de alguém como eu.
Fiz minha arte abstrata em tela humana ao som de Applause e segui toda sua influência, me empolguei um pouco e acabei pintando outras partes do corpo além do rosto. Não hesito em dizer que foi um dos momentos mais felizes da minha vida! Eu já havia pintado antes, mas sempre receosa e buscando fazer coisas padronizadas em papel; mas a arte não tem padrões e entendi isso nesse dia. Nunca gostei de cores em minhas vestes, mas usei todo o arco-íris em minha pele e adorei a sensação. Por não serem tintas próprias para pintura corporal, elas me renderam algumas queimaduras e manchas, mas passei uma pomadinha e depois já estava pronta para pintar de novo, dessa vez com tintas adequadas.
Tive receio de postar as fotos, querendo ou não, sempre temos um pouco de medo de reações alheias, mas aos meus olhos havia ficado uma obra tão bonita que, não compartilhá-la era como um pecado comigo. Publiquei e fiquei encantada com o carinho e os elogios que recebi, pessoas me pediram dicas de como fazer e, inclusive, pediram para que eu fizesse nelas. Depois disso, passei a me sentir mais confortável em fazer pinturas corporais, por mais que não sejam minhas favoritas e nem meu forte, mas é um ótimo escape. Continuo sem gostar de cores em minhas roupas mas quando as coloco em minha pele me vem a sensação de liberdade que senti naquele dia, o que fez com que eu pintasse meu corpo cada vez mais, depois partisse para folhas de papel e acabasse em telas, continuo em busca de novas superfícies. E, talvez, se eu não tivesse ousado me mostrar naquele dia, não teria encontrado uma parte de mim que hoje é tão importante e que não me vejo vivendo sem. Até recriei a tal pintura um tempo atrás e pretendo colocar a foto em algum lugar dessa publicação.
Não tenho muito a dizer, não tenho muitos conselhos sábios a dar, ou talvez tenho e ainda não sei. Sou uma garota de vinte anos que não se encontrou cem por cento na vida e que, sinceramente, acredita que nunca se encontrará, pois gosto de descobrir coisas e quero continuar descobrindo até o fim. Mas, eu aprendi algo com isso, eu encontrei uma válvula de escape que me salva dia após dia. Talvez a sua não seja com tintas e maquiagens, ou telas, talvez você encontre uma parte de si dançando loucamente de madrugada ou cantando no chuveiro com luzes coloridas. E é muito fácil para mim pedir para que você se mostre para o mundo, porque me mostrar foi muito fácil, nunca precisei me esconder. Muito me entristece saber que sou uma das poucas pessoas que pode passar tintas no rosto, ir para bares, protestos e paradas que apoiam a causa LGBTQ+, livre de julgamentos. É triste ver que sou aceita por estar dentro de padrões, e por saber que apesar de lutar, apoiar e fazer parte - como uma mulher pansexual - sempre fui naturalmente reservada e um padrão. Ver uma pessoa padronizada usando cores e bandeiras é totalmente aceitável, é bonito. Tento usar meus privilégios para dar voz aos que são calados, visibilidade à causas tão importantes.
Mas com esse texto, a mensagem que quero transmitir é que, mesmo que seja sozinho em um quarto, comece ai. Com passos pequenos, se mostre para você. Lute junto com todos que estão clamando por direitos e liberdades, e não desista de encontrar pequenas partes de você que fazem uma diferença muito grande.
Gratidão por ter lido, gratidão por ter chegado até aqui! Espero, do fundo do meu coração, que alguma palavra escrita aqui por mim possa ter sido útil, nem que para um simples passatempo.
Muito obrigada e até uma próxima vez!
