Multidões de elfos e fadas lutam nos campos através das terras, nesta noite tão tão sanguinolenta... A bruxa odiosa de olhos de diamante e poderes de fogo, está possuída de furor, atira qualquer um que tenta salvar a Rainha, ao chão - por sangue frio, a bruxa inexorável gargalha enquanto as jovens fadas e elfos combatentes, já estão sem força e choram em uivos abafados, desesperados.
Todo tipo de criatura das trevas brota de ranhuras profundas e quentes, do chão, das árvores, caem do céu, como pode ser possível que esta bruxa seja tão poderosa? Raios de ira e devastação estão propelando de todos as direções, matando o vento, a chuva, o tempo...
As chuvas ácidas do poder que brotam das mãos da bruxa, queimam a pele de nossos amados guerreiros, nossos sonhos de futuro cada vez mais perdem o brilho! O que faremos agora? Estamos vivendo este trágico destino, o que será de nossa sábia Rainha?
Lá está ela, paralisada entre as nuvens, mesmo assim, continua transparecendo paz para nós outros, seu poder de luz, pouco a pouco é sugado para dentro do peito da bastarda, que cada vez mais se torna gigante, brilhante, indomável...
- Lutem contra esta Imperatriz da Morte! Lutem! - O general grita quase emudecendo em meio a tantos corpos que brilhantes, se desentegram no ar... Num piscar de olhos, não há mais tantos de nós, e as criações-malditas se multiplicam incessantemente, como um vírus.
- Lutem, lutem! Salvem a Rainha!!! - o general insiste até que, um raio escarlate atinge-o bem no meio do peito, sua pele então se incha e rasga como uma cigarra explodindo, ele então, se junta às demais criaturas que, já sem alma, se encontram sem vida - quanto mais ela os elimina, mais forte se torna.
- O General... Está morto...! - exclamamos, invisíveis entre a pouca flora que resta, estamos cinzas de medo...
Nossas cabecinhas aflitas, olham para o céu, o brilho da Rainha está quase se apagando, mas... Não temos mais força... As poucas de nós que restam, estão com os corações estão devastados!
Há poucas horas atrás, a vida parecia comum, rotineira, os animais viviam, os rios corriam, os ventos abraçavam todo o vale e as fadas e elfos, levávamos nossas vidas de sempre, trabalhando, sorrindo, amando... A Rainha Fiama, sempre governou com tanta sabedoria... Seu poder e conhecimento era compartilhado com todos, geração após geração, a biblioteca da realeza era aberta à população, todas as criaturas viviam em paz, serenas... Num piscar de olhos, como se fosse apenas uma tempestade, raios rasgaram o céu e ela surgiu.
A ladra das virtudes...
Nenhum de nós acreditamos quando ela surgiu... Pois o ódio, era incomum nestas redondezas... Em poucas horas, tudo virou cinzas, nossas casas, o Palácio de Cristal, A Árvore Mãe, as bibliotecas, os animais e a vegetação, tudo que era bom, agora não passa de uma mancha marrom, a Rainha, tão forte e sábia, foi tomada de nós como um sopro, nos deixando sem luz e forças, não somos seres mágicos sem ela... O que faremos?
No campo de batalha, nós, criaturas mágicas, nos tornamos apenas moribundas.
- É uma emergência! - uma das fadas chorava inconsolável, ela apontou com os dedinhos trêmulos para a Rainha que agora queimava em agonia.
- Não!!! - todos urramos, nos colocando de joelhos, rasgamos as roupas, afundamos as faces no chão... Não era possível!
- Sim... Agora é hora da vingança! Esta terra - e até mesmo você, Fiama querida, irão ver que todo o meu sacrifício para renascer das cinzas valeu a pena, é a minha NOVA ERA, e eu sou GLORIOSA!!! - a última fala estrondosa da Bruxa, fez a Rainha estremecer e por fim, sucumbir.
...
Todos nós, demoramos a perceber o que acabara de acontecer.
Uma fraca e transparente luz começa a valsar levemente, ela partiu dos olhos de sol da Rainha, e agora, está prostrada bem de fronte a nós...
As últimas palavras de uma vida...
- Raios Caem, a Sabedoria Chora... Emergência, amados, emergência... Fiquem conscientes desta noite, não mais se surpreendam... É uma emergência... A Sabedoria Chora... Sabedoria, chora... - a pequena faísca proferiu tais palavras como um canto de luto... Sua nectarina voz, oscilou por quilômetros, até desfalecer ao longe.
Neste momento, a terra tremeu, a abóbada celeste foi sufocada por um manto ainda mais soturno, a Rainha por fim, explodiu no ar como se explode um diamante, e toda sua vitalidade foi magnetizada pela Perversa, que subiu ainda mais nas alturas e fervilhou de poderes.
- Curvem-se! Diante de sua nova sábia!!! - as poucas árvores restantes desmoronam e todas as criaturas do mal, voltam para seus buracos, em menos de meio segundo...
Não conseguimos dizer nada.
Nem um só som.
Tudo isso está bem diante de nossos olhos...
O silêncio, é mortífero.
Como um vendaval, a bruxa desapareceu.
É como um pesadelo.
- Aonde ela está...? - esquadrilhamos o horizonte... As que tem forças para voar, saem em busca da megera, o resto de nós, permanece escondido, acorrentado em medo... Nosso sorriso foi brutalmente levado e nossos corações, agora estão famintos, somos órfãos...
...
Dias se passaram desde o Armagedom... Sinto em informar que realmente perdemos. Até o momento, a "nova Rainha", ainda não apareceu, nos deixou com nossa pilha de destroços, o silêncio parece matar e ferir mais do que qualquer um daqueles raios.
- Já se passaram dias! Precisamos fazer algo!!! - Kahla, que antes era musicista, já havia gastado suas cordas vocais de tanto que chorou e lamentou.
- Infelizmente, Kahla, nem nossas lágrimas são mais mágicas, se ainda fôssemos, pelo menos as lágrimas fariam a fauna e a flora renascerem... Não nos restou nada... Ela veio até aqui apenas para matar a Rainha e depois se foi... Não consigo crer...! - eu ainda chorava, desde aquele dia... Na verdade, nem sabíamos mais em qual dia estávamos... Quantos dias haviam se passado, afinal, o sol nunca mais nasceu, nem a lua... O plano celeste era apenas breu, todas as estrelas caíram do céu e morreram, agora, vivíamos sem luz alguma.
- Eu não me importo... Eu... Eu... Eu não sei o que fazer! - ela me abraçou, mas nossos braços estavam tão doloridos, que logo deixamos de abraçar e apenas voltamos a prantear.
- Aonde está a chuva...? Aonde está o vento...? Estamos trancados neste clima opressor...! Não há saída!!! - Stiff, o elfo que antes era um Protetor, agora só sabia tremer, soluçar...
- Vejam só o que ela fez de nós... Não possuímos mais talentos, dons ou poderes, irmãos... Somos apenas nada. - uma das anciãs mais sábias do reino, sussurrou com dor.
E o silêncio perdurou, por mais tempo, dias? Semanas? Anos?
Não foi possível saber.
Minguadamente, retomamos nossas vidas - mesmo na escuridão. Comemos raízes, bebemos nossas lágrimas, alguns de nós desistiram de viver, outros de nós, nem conseguíamos mais nos lembrar se algum dia, viemos a estar vivos...
Realmente tudo havia mudado, logo se pôde perceber da forma mais ardente possível.
Até que um dia, ela retornou.
Rasgou o céu que, novamente sangrou mais uma vez, as estrelas pareciam úlceras, o Sol e a Lua pareciam-se mais com precipícios infindos... Como duas esferas sem alma... Se pareciam com nossos corações...
Trituramos-na com nossos olhos inchados de ódio - agora, conhecíamos bem este sentimento, ela pigarreou e começou a cuspir palavras:
- Servos! Vocês reconstruirão o mundo para mim! É um novo começo para todos nós! - a meretriz parecia confiante em sua roupa de rubis.
- Não há como, vossa alteza... Quando a Rainha Fiama se foi, nossos poderes se foram junto com ela... - um de nós respondeu, timidamente, mas, a bruxa, não o ignorou, rachou-lhe ao meio com um raio.
Mas, nem nos surpreendemos mais.
Passamos a trabalhar como escravos, como nossos antigos pais haviam sido, na antiga era das trevas, antes de todos sermos salvos... Era como voltar no tempo, de uma forma magnanimamente ruim...
Depois de longas jornadas de trabalho, aquela criatura assassina, surpreendentemente, nos permitia descanso; com as costas cansadas e os ossos moídos, íamos em grupos descansar dentro das árvores petrificadas pela batalha.
Assim que estávamos todos reunidos, decidi que eu finalmente deveria proferir algo sábio:
- Bom, não pode ficar pior... - eu ri com amargura - entre tantas coisas boas a serem ditas, escolhi as piores palavras.
Eles não perdoaram:
- Voltamos no tempo, por causa daqueles olhos de diamante... Olhe para nós, Rinna... Somos vermes agora... Não aguento mais andar... Minhas asas se petrificaram...! Você não fez nada! De que serviu sua posição durante todos aqueles anos? De que serve nossa vida agora??? Minhas asas... Minhas asas Rinna... Sinto que logo elas vão cair... Você consegue dormir de noite?! - Kahla todas as "noites" chorava pelo mesmo motivo, nos tornamos todos tão fracos que nossas asas se tornaram pó... Era um pesadelo para todos, mas, principalmente para Kahla, minha melhor amiga... Me culpando como se eu fosse responsável pelo caos.
- Eu queria poder ter feito mais, Kahla, você sabe que sim... Mas como...? - respondi engolindo em seco.
Nossas noites baseavam-se em orações e planos conspiracionistas...
Sempre que falhávamos, o resultado era mais mortes dos nossos, e mais poder para a "nova rainha"...
Os dias eram iguais demais...A esfera nunca mudava, era sempre negro, fosco, fosse dia ou noite, a nova era da derrota, do ódio e da solidão, venceu, afinal.
- Ainda é uma emergência, Rinna... Não podemos nos esquecer das últimas palavras da Rainha, precisamos continuar conscientes! - o elfo Sven bradou comigo certa noite, como se eu fosse culpada... Eles amavam fazer isso. Todos eles.
- Você era a conselheira mor da Rainha... Rinna, você precisa nos dizer o que fazer!!! - como se fosse combinado, todos eles retumbaram, nervosos.
- Ela não está mais aqui... Era uma emergência mas... Agora é o que somos... Não há mais salvação, irmãos... Nossa salvação será aguardar pela morte, ou, se tivermos sorte, por um raio daqueles que ela solta pelos olhos.
Dei de costas para todos eles e contemplei minha derrota.
De repente, senti quente em minha face... SPLAT! - Kahla me desferiu um golpe.
Eu a fitei com pesar, ela retribuiu a dor que encontrou em meus olhos, piscou profundamente, deixando uma lágrima brilhante escorrer em seu rosto machucado.
Nossa Anciã - agora a última que havia restado, desde a segunda volta da usurpadora de tronos, enfureceu-se com nossa discussão e veio em nossa direção, pisando firmemente, carrancuda.
- A Sabedoria ainda chora, crianças! Não podemos desistir! Precisamos descer! - a voz rouca da anciã ecoou como maldição.
Todos ficamos boquiabertos.
- D-descer?!?!?! - indagamos a ela, surpresos, atordoados.
- Nós devemos mesmo descer, Mãe Anciã... Devemos descer novamente??? - eu indaguei, ainda mais assustada do que antes.
Descer, consistia em desistir de nossas próprias almas para reviver algum antigo membro da realeza, alguém mais sábio e capaz de derrotar a fera.
Restaram apenas sessenta elfos e fadas. Antes éramos milhares... Descer, significa fazer uma regressão astrológica, atravessar teias de realidade e nos conectar com os mortos. É de fato uma magia mortal e antiga... Por mais estudados que sejamos, neste milênio, nenhum grupo de fadas e elfos tentou algo de tal grandeza.
- Anciã... Se isso não funcionar, corremos o risco de nos extinguirmos para sempre... O que será do Planeta Terra sem Elfos e Fadas? Deixaremos tudo a mercê dos humanos??? - as peças em minha mente ainda não haviam se encaixado.
- Melhor do que deixarmos a Terra à mercê dela. - Kahla, ousadamente, respondeu pela Mãe Anciã.
Por fim, e com muito pesar, concordamos que seria o melhor a ser feito.
Todos nós, um a um, recolhemos o que precisávamos, para fazer a Poção da Troca - nossos olhos e almas em troca de uma vida mais valiosa, capaz de derrotar o mal. Os ingredientes necessários para poção são: sangue de fada petrificada, gotas de raios de sol, um broto de árvore e a primeira flor a secar na troca das estações; com isto, poderíamos abrir o caminho para descer...
Quando tudo já estava pronto, nos pusemos em círculo, na calada da noite - a hora mais ardente se iniciou.
A Anciã bateu seu cajado de ossos três vezes no chão, fazendo nascer dele um som oco.
- Agora, queridos, todos precisamos arrancar nossos olhos. - a Anciã o disse em tom sutil, como se isso não fosse grande coisa.
- Arranquem seus olhos com o dedo indicador, façam a bola pular para fora... Mas não apenas desta forma, tenham em seus espíritos todas as cenas de morte, todas as cenas vividas, todas as almas e vidas que já adentraram suas casas...
Cada um de nós temia este momento. Nossas Poções da Troca estavam prontas.
- Agora, antes de arrancarmos nossos olhos e presentearmos o eterno, cantemos a última canção de nossa época... - ela fechou seus olhos marinados de vida e começou:
"Vamos voltar no tempo, tempo
Através de olhos de diamante...
Nós vamos correndo
de volta no tempo
Através dos olhos de diamante
Temos que voltar para o início
Voltar até estarmos de volta em casa
Temos que voltar para o início
Voltar até estarmos de volta em casa
Onde está a chuva?
Nós devemos descer novamente?
Nós descemos...
Raios caem
A sabedoria chora
É uma emergência, emergência
Consciente durante toda a noite
Ninguém está surpreso
Contanto que nós... Emergência
Emergência, emergência
A sabedoria chora".
Enquanto entoamos esta canção, um a um, arrancamos nossos olhos e derramamos no lugar, a Poção da Troca.
Nossos corpos flutuaram, afundamos em um rio branco e pastoso, à medida que nos afogamos, nossas almas se libertaram, até não sobrar nenhum de nós...
Quem seria o escolhido pelo destino a ser ressuscitado? A Poção daria certo?
Nosso suicídio daria fim ao legado das fadas?
Não podemos saber, apenas acreditar...
Se a sabedoria cessasse de chorar, poderíamos ao menos, libertar nossos destinos...
À vista disto, com uma única e última batida de nossos corações febris tudo ficou escuro, para sempre, veio o fim (?)
Cálido...
Infinito, vivo.
Sim, mais inteso...
Oh, mais poderoso.
Brando... E nublado,
Nunca haverá nada como a morte...
Seremos pois, eternos, como o recomeço de tudo...