O silêncio que pairava no ar era assustador e tétrico, sendo quebrado apenas pelas respirações tensas. Ali, sentada na cadeira ante a janela, o único pensamento que rondava sua mente era na estupidez – e coragem – da sua melhor amiga. Por quanto tempo ela manteve esse segredo? Era a sua maior dúvida.
Por que não reparei antes? A palidez extrema, a perda de peso constante e silenciosa, as dores frequentes...
Todos os sinais estavam presentes, como um lembrete daquilo que não poderia ser ignorado. Então por que passou tão despercebido? E a resposta era tão óbvia que se tornou o ápice de sua revolta.
– Por quê? – foi a única interpelação que saiu de sua boca. Ainda estava aturdida. Céus, como não estar? Sua melhor amiga estava diante de si, mas agora parecia ter ficado tão inalcançável.
– Faria diferença? – a voz ressoou fraca, porém audível. Não havia acusações, somente cansaço – O que eu quero dizer é que não havia motivos para ter te contado antes. Parece egoísmo, mas pela primeira vez me priorizei. Eu sei que você está magoada e com raiva, principalmente da decisão que tomei, mas eu preciso que aceite; não precisa compreender, só... Aceite, por favor.
Um suspiro longo foi ouvido, e a garota que antes encarava o vazio além da janela observou a figura frágil sentada na cama.
– Eu te entendo, eu quero entender. Mas por que não me contou no início? Por que não tentou?
– Não faria muita diferença, Carol. Foi um choque quando me diagnosticaram com melanoma em estágio final, quer dizer, olha para mim, sempre procurei cuidar tão bem da minha saúde, dos meus cabelos, da minha pele! Quem poderia imaginar que isso aconteceria justo comigo? Eu tinha opções, sabe? Opções nada fáceis de decidir, apesar de aparentar. Eu poderia começar a quimioterapia, mas isso só prolongaria a minha vida por alguns meses, e não seria mais eu. Seria uma carcaça recheada de dor e exaustão, então eu...
– Então você desistiu... – sussurrou em complemento.
– Não, ao contrário, eu resolvi viver. – explicou. Porém, ao olhar a confusão na face de sua amiga, logo tratou de complementar – Se eu optasse por fazer a quimioterapia, os meses que prosseguiram seriam dolorosos e cruéis, tanto para mim quanto para as pessoas ao meu redor. E para quê? Para ter alguns meses de vida a mais à custa de exaustas sessões que só me deixariam fraca e indisposta? Eu não queria isso, não queria ter os olhares de pena direcionados a mim, que me tratassem como uma boneca de porcelana que a qualquer momento poderia se quebrar e, principalmente, que sempre fizessem as minhas vontades, porque em um futuro próximo eu não estaria mais aqui. – desabafou.
Ambas se encaravam e novamente o silêncio voltou a reinar, sendo quebrado após alguns minutos por uma voz cansada.
– Eu quero tentar entender, mas a única coisa que me veem à mente são os últimos meses. A nossa viagem para Orlando, os passeios e trilhas constantes, os acampamentos... Só consigo pensar que enquanto nos divertíamos você estava morrendo em silêncio. Eu te amo! Você é minha melhor amiga desde a infância, como quer que eu aceite tão bem o fato de ter me escondido tudo, e que... Céus! Que daqui alguns meses eu vou ter perdido a única coisa boa na minha vida?!
– Você não consegue entender, não é? Eu não escolhi morrer, partir e deixar todos tristes. Então resolvi deixar as melhores lembranças que eu poderia pensar, para que quando tudo deixasse de fazer sentido vocês conseguissem se lembrar de mim, das coisas que fiz e falei, sem choros ou arrependimentos. Que conseguissem se lembrar com um sorriso no rosto, mesmo que a saudade aperte. Eu queria continuar viva nas memórias sendo eu mesma: uma palhaça que ri de tudo e todos, que consegue ser séria e racional ao mesmo tempo que louca e totalmente indiscreta. Queria que lembrassem de mim por quem eu fui, e não por quem eu teria sido.
– Compreendo, mas... Há tantas coisas que eu queria ter vivido com você, tantas coisas que queria ter dito... Por quê? Por que somente agora? Foi tão cruel com você... Comigo! Eu queria ter tido a chance de te ajudar, amenizar ou te distrair da dor. O que posso fazer agora senão te ver decair a cada segundo sem saber quanto tempo ainda te resta? O que eu posso falar ou agir em um momento desses?
– Pode começar sentando aqui comigo e me contando como foi o seu encontro semana passada, sobre as novidades ou até mesmo das suas histórias passadas que sempre me fizeram rir independente da situação. Só... Fique aqui, comigo. Podemos passar a tarde fazendo uma lista de lugares para visitar e tarefas para você cumprir, porque eu quero que você viva, viva intensamente cada momento, que eternize as lembranças em fotos e continue mentalizando as coisas boas desse mundo, porque mesmo que eu não esteja mais aqui, o mundo não irá parar e a vida sempre vai continuar. Então me prometa, prometa que viverá uma vida por nós duas... Antes que eu vá.