"Quanto menos você souber, melhor".
Essa foi a última coisa que foi dita antes que uma garota virasse as costas para um jovem incrédulo e o abandonasse para afundar no abismo da solidão.
Samuel não conseguia acreditar, nem muito menos entender como tudo podia estar desmoronando daquela forma: Heather, a belíssima líder de torcida do time de basquete da escola, deixou de ser sua garota e o trocou por Trevor, aquele cara esquisito que usava uma ridícula fantasia de gorila (a mascote da equipe). A própria estudante não parecia crer no que estava fazendo enquanto dizia a frase final que culminou no término do romance de ambos. Mas, era real.
Era o fim. Ou melhor, o início de um pesadelo.
Samuel continuou como pôde sua vida, embora coisas estranhas estivessem acompanhando a dor do dia-a-dia (afinal, tanto o ex-casal quanto o infeliz do Trevor eram do mesmo período). Ele começou a ver que alguns tufos macios de pêlo escuro como piche caíam das roupas de Heather de vez em quando, embora os mesmos se dissolvessem após alguns segundos em contato com sua pele. Também passou a enxergar o maldito usurpador como se o infeliz estivesse sempre usando o traje de símio por baixo das roupas. Estaria ficando louco? Sim, só podia!
Samuel cogitou treinar mais, enterrar aquela angústia e humilhação como ele fazia com a bola de basquete na cesta. Todavia, um mal estar físico arrebanhava suas forças desde que Trevor tomou-lhe a affair. Logo ele, o astro do time, agora não passava de uma piada na escola. Sabia que falavam dele pelas costas. Mas, diabos, ele ainda amava aquela ingrata! E quando os olhares deles se encontravam de relance durante o treino ou nos intervalos, sentia que ainda existia alguma reciprocidade ali também! Ou era coisa da sua cabeça, que latejava e doía como se imitasse seu coração a cada novo reencontro silencioso e distante com a garota com quem achava que iria casar dali a algums anos?
Samuel sofreu calado. Suportou o fardo o quanto pôde. Contudo, certa noite, acabou testemunhando uma cena inacreditável: Heather com Trevor no auditório e ambos estavam imitando os movimentos de macacos, como se estivessem fazendo alguma dança de acasalamento que não demorou muito para se converter em uma sessão de sexo desenfreado. Não bastando o ato em si ser enlouquecedor, ele a estava penetrando ainda cingindo a fantasia de gorila! Samuel estacou nas sombras, vendo aquela beldade loira de olhos verdes e corpo esguio literalmente cavalgando o pênis ereto de Trevor como se fosse uma louca no cio, gemendo enquanto o jovem grunia animalescamente e rasgava a roupa da garota, intensificando o ritmo da cópula até que ambos gozassem aos urros.
Totalmente desnorteado, Samuel correu para o banheiro e começou a vomitar, cheio de nojo e ódio. O jato de bile estomacal não demorou muito para dar lugar a filetes de sangue fresco e abundante, suas lágrimas fazendo os olhos arderem como se estivessem em brasa. Ouviu uma voz nas trevas. Das Trevas. Começou a alucinar, uma verdadeira viagem psicodélica onde mil imagens e sentimentos o varreram do que julgava realidade para a Verdade.
A Voz e a Visão das Trevas fizeram tudo finalmente ter sentido, embora fosse ainda irreal do que jamais poderia conceber.
As semanas seguintes foram de observação e preparação. Samuel ainda não acreditava em nada daquilo que averiguava, entretanto seguiu com o seu plano enquanto treinava e esperava. Coletou informações às escondidas, vigiou o alvo, cogitou as possibilidades: ao fim de dois meses, finalmente chegara a hora de fazer valer a Lei do Talião...
Era uma madrugada fria e chuvosa quando o jovem jogador de basquete emboscou Trevor no corredor da escola. Nenhum deles deveria estar ali naquele horário, mas somente o rapaz fantasiado demonstrou alguma surpresa por meio da repentina parada que fez ao se deparar com seu desafeto.
— Trevor, eu sei o que você fez e o que você é. — exclamou o atleta com um tom de voz sombrio e colérico. — Eu também sei da sua influência animal no restante das garotas da torcida. — o asco contido na frase era quase palpável.
O mascote do time continuou parado, fitando o locutor como se não compreendesss uma palavra sequer. Seu silêncio e imobilidade tornaram o clima pesado e um tanto assustador conforme fitava o outro estudante na ponta oposta.
— Você é um Bestial e está espalhando seus feromônios contaminando as "fêmeas" da escola com pêlos energizados. Quer criar um Domínio aqui e pelo jeito a Heather é sua Rainha. — Samuel tremia mais e mais a cada palavra praticamente regurgitada de seu cerne, encarando o inumano perante ele. — Você não fodeu só a minha mina. Você fodeu a minha vida, seu filho de uma primata dos Infernos!
As sombras se adensaram e a penumbra que os envolvia se converteu na mais plena escuridão. Trovões ribombaram lá fora enquanto o clarão de estranhos relâmpagos cor de sangue riscavam o céu e rasgavam as nuvens, sendo a única e intermitente fonte de iluminação do recinto após o blecaute que se seguiu.
Em resposta às declarações de seu agora inimigo mortal, Trevor vociferou de modo demoníaco e sua fantasia começou a se desfazer, dando lugar ao corpanzil de um gorila real de feições monstruosas. A criatura saltou no ar em uma cambalhota frontal e cruzou o espaço que os separava com graciosidade e força, terminando a manobra com diversos murros em seu peitoral massivo. O som repetitivo e poderoso ecoou em toda a escola com potência o suficiente para destroçar todas as janelas, rachar as portas, entortar os armários e explodir os tímpanos e o cérebro de qualquer ser humano que estivesse por perto.
Samuel, no entanto, permanecia incólume, embora o ódio que sentia e as trevas que os cercavam não permitissem que transparecesse o quanto ficou impressionado com aquela mera demonstração de vigor animal.
— Trevor, eu esqueci de fazer a pergunta mais importante... Você sabe o que EU sou? — indagou o jogador de basquete ao impunhar a bola e a arremessar com um brado furioso na direção de seu inimigo.
O improvável projétil singrou o corredor como se fosse uma bala de canhão e atravessou o corpo maciço do símio de modo ardente, doloroso e instantâneo, deixando um rombo perfeitamente circular e mortal no tórax da criatura antes de desaparecer; a monstruosidade tombava confusa enquanto as energias sexuais consumidas por ela a abandonavam em forma de bolhas coloridas. O titânico inumano caiu no piso amadeirado resfolegando com imensa dificuldade, sem compreender o vazio e a dor que sentia no peito.
Samuel se aproximou da fera agonizante, pensando em como aquilo soava como justiça poética, já que Trevor meio que havia feito a mesma coisa com o seu algoz meses antes. Ficou ali, observando a abominação morrendo e ainda trocou um último olhar com ela, que murmurou uma derradeira palavra como se proferisse uma sentença de morte: "Brimstone".
— É isso aí, Bestial desgraçado... — continuou Samuel, vendo a criatura se dissolvendo e sumindo no ar enquanto sua Essência regressava sabe-se lá para onde. — A porra de um Brimstone despertou outra vez. E eu vou acabar com cada um de vocês!
Com os olhos ardendo não por causa de lágrimas, mas pelo poder emanando deles, Samuel também desapareceu na noite. Era o fim. Ou, novamente, um início:, afinal, sua jornada, guerra pessoal e lenda estavam apenas começando.