Me lembro de olhar no espelho ainda criança, com minha face vermelha e cabelos arrepiados como fogo e pensar - vou ser importante.
Mas como ser importante, Ana?
Pense, pense, pense.
Eu fui uma criança inteligente, que gastou tempo com as situações erradas; eu errei tanto de propósito, por ter medo de ousar.
Me tornei uma adolescente fraca, que deitava embaixo de todos os sapatos, se pisassem em meu rosto, ao menos eu deixaria minha marca em algum lugar.
Então eu me zanguei, me encontrava comigo mesma toda tarde e acenava como se fosse meu fim.
Mil personas em minha mente, mil talentos não aflorados, medo de aprovação, medo do amor, medo de amizades, medo de mim mesma.
Quantas vezes rodei e rodei em meu quintal, sonhando ser aquela sensação que eu sempre senti bem no meio da testa?
Quantas vezes eu futilmente me excedi, pecando com o que realmente nunca interessa?
Pense, pense, pense.
Como deixar minha marca na história?
Como não parar na cadeia?
Como não ser achada morta jorrando sangue no banheiro?
Como lidar com estupro, abuso e pobreza?
Deixo meu eu-lírico colorir meus caminhos, ou explodo e causo medo?
Pavor, pavor, pense...
Decido ser os dois.
Então a jornada da auto-destruição se torna romantizada e mortífera, me embebi em cada gota de covardia, tropecei em cada calçada da cidade, andarilha noturna, meus pés se tornaram escarlate.
Não sou mais talentosa que uma mosca.
Minha marca no universo será um borrão de sangue, um vômito esverdeado, lágrimas na cama, um espelho quebrado e... Pense, pense...
Eu me deparo comigo novamente - a novidade do século.
Estou lá aos pés de minha cama, com a mesma face escarlate e sonhos de infância, faço cócegas em meus dedos, tenho crise de risos... Eu zombo de mim mesma.
- Você se tornou o que eu queria? - ela me indaga com janelinhas nos dentes.
Eu me viro, ainda zonza.
- Eu te mataria se fosse possível.
- Por quê? - ela se assusta, sou nosso bicho-papão.
- Você podia ter escolhido ser outra pessoa, nós sofremos e a culpa foi sua. - desfiro um tapa em sua face.
- Eu tive grandes sonhos e nenhum dinheiro, sua filha da puta! - a criança boca suja que somos, desperta.
Não era culpa sua Aninha, nunca foi.
Mas é seguro pensar que sim, é seguro continuar te culpando e odiando, deste modo meus ombros adultos se tornam leves, e posso sorrir me desvencilando de você.
Então sim, ainda te culpo e odeio. Você sonhou demais e brincou demais de fingir ser outras pessoas, podíamos ter sido tantas coisas...
Hoje um aluno me chamou de feia e disse que eu sou uma péssima profissional, então você apareceu em minha mente e eu apenas respondi que ele que se foda, como se eu me importasse com meninos adolescentes que sonham em ter pau grande e serem menores-aprendizes.
HAHAHAHA, Aninha, somos uma comédia.
Mas por dentro eu morri. Por qual razão isso ainda me incomoda?
No sábado uma aluna nova, criança, gritou de contentamento quando soube que eu vou ser a professora dela até ela findar os estudos...
Ela me lembrou da menina que nós invejávamos naquelas eras...
Por qual motivo essas reações todas ainda me confundem?
Você, Aninha, ainda está agarrada em minhas pernas, me implorando para eu não ir.
Como pode ser possível? Viajar no tempo assim, pelas teorias, se seu eu do passado, se encontra com o de agora, vocês duas deixam de existir - na história do mundo.
Então, será que é por este motivo que eu sou assim?
Não sou você, nem sou eu.
Mas ainda sinto que vou fazer algo importante - mas eu não sei o quê.
Me desculpe por te deixar tocar minha pele com seus dedinhos, eu queria tanto que você estivesse aqui...