Famílias carregarão maldições datadas de décadas, séculos, milênios atrás. Uma profecia feita em um dia ensolarado será desprezada; se não imediatamente, o sopro do tempo encarregar-se-á de fazê-la se dissolver nas águas do mar do esquecimento.
Eu vi.
Histórias serão contadas pelos pais aos seus filhos que, por sua vez, adaptarão os ensinamentos e os transmitirão aos seus próprios descendentes. As crianças não dormirão em noites de lua cheia e surrupiarão sal grosso da cozinha. E na manhã seguinte, quando sentirem nas solas dos pés o desconforto causado pelas pequenas pedras transparentes, engolirão o choro e não dirão nada a ninguém.
Eu sei.
Guerras de cem anos serão travadas, mil litros de sangue regarão o solo que dará à luz a cem mil árvores cor de cornalina* que produzirão frutos amargos. E tais frutos amaldiçoados tornar-se-ão responsáveis pela impureza que correrá dentro de incontáveis gerações futuras.
Eu fiz.
E o mar rubro levará seus segredos até o outro lado do oceano, onde todos ignorarão qualquer menção aos cânticos e maldições longevos. Fadas, bruxas e magos deixarão de existir sem, entretanto, terem fenecido.
Eu vivi.
E se dez ou cem ou mil anos adiante, assim como proferido em um dia ensolarado esquecido pelo tempo, sua filha, neta ou bisneta se casar com um aleijado, tudo não passará de uma simples coincidência.
Ah... Eu vi.