"É menina! Ela vai mudar o mundo... Em breve...!". - foram - ao que parecia - as últimas palavras da mãe, entre uma tosse e um pouco de sangue que jorrou de sua garganta.
E lá estava ela, menina, nascida em 1412...Como uma rima de escárnio.
"Podemos dizer que morreu junto com a mãe... Vamos enterrá-la... Vai servir de alimento para os bichos e os bichos a nós... Sabe, Martha... Quem vai notar?" - sussurrou a parteira aprendiz, que logo recebeu como resposta um tapa úmido e profissional vindo da parteira velha e suada.
"Não acabou de ouvir a profecia proferida?!" - a velha ralhou, olhando para aquela magrelinha como se a fosse trucidar - "Não se contraria a profecia proferida dos lábios de quem não mais vive!!!". - mesmo certa de que sim, era uma boa profecia - a da mãe recém falecida - Marta sentiu uma lambida do vento frio - como o diabo em sua espinha.
Olhou ao longe, além da janelinha... Esquadrinhou o máximo que pôde na escuridão da floresta... Sem muito o que ver, voltou a ralhar com Anna, que insistia que essa coisa de profecia era muito século passado, que as coisas agora eram bem diferentes!
Enquanto elas discutiam sobre profecia e morte, há poucos metros, havia algo entre as árvores que andou velozmente entre os galhos... Observou, cheirou... Lambeu seus lábios rachados de frio e correu para perto... Esgueirando-se nas paredes, a criatura se contorcia de prazer, só de imaginar abocanhar aquele bebê recém-saído do forno... Será que era leve demais? Não faz bem comer pouco em noites de Lua Nova.
Com suas longas unhas, a Bruxa arranhou as paredes e, com seus pés gigantes ela pulou na porta, que se esmigalhou no chão, aproveitou a deixa e urrou como um animal.
A Bruxa era tão alta quanto o teto, as duas parteiras jogaram tudo pra cima e nem hesitaram em largar o bebê para trás. As coisas funcionavam assim... Marta sabia que isso aconteceria, bebês prometidos à profecias sob noite de Lua Nova, seriam tomados pelas Bruxas das Más-Vindas, criaturas espertas que sentiam o cheiro da mudança e a destruíam por completo, deixando o século XV como sempre fora - cravejado com todo tipo de trevas.
Os progressistas caçavam estas bruxas, mas consequentemente, eles é que iam parar nas fogueiras, já os tradicionalistas, pensavam que estas bruxas mais eram um presente dos céus, para que a natureza continuasse equilibrada, quem saberia o que as novidades trariam nos anos vindouros? A igreja poderia cair... O rei poderia morrer... E tudo sempre era culpa dos bebês - todo bebê de Lua Nova trazia mudanças.
Ao passo que, as adultas iam se afastando, a bebê olhava fixamente nos olhos da fera, que, a pegou nos braços e a ninou.
"Eu costumo dar um nome aos bebês que devoro, criança... Você tem jeito de Jeanne... Deixe-me ver... Nascida de Jacques D'Arc e Isabelle Romée... Dois camponeses... Criança... Que tipo de mudanças você traria?! - a bruxa que antes parecia horrível, agora parecia apenas uma tia amistosa da vila.
"Isabelle Romée... - se virou para o corpo frio na cama - você até que era bonita, mas... Por qual motivo foi me invocar? Abençoar uma criança dessas... O que pensou que ela poderia se tornar? Qual vai ser seu poder místico bebê Jeanne D'Arc? - a Bruxa gargalhou e bateu suas botas, fazendo o bebê chorar - Ô... Não gosto de jantar chorão... Não chore bebê Jeanne, eu nasci nesta Lua Nova, não sei lidar com choro!".
A Bruxa matutava sobre o que a menina seria caso não estivesse prestes a ser devorada...
Olhou fixamente para o bebê faminto, acariciou o rostinho com suas grandes unhas avermelhadas... Olhou o bebê de novo... Ela gostava deste jogo de adivinhações, afinal, era uma Bruxa das Más-Vindas... Ela foi criada pelos astros para acabar com as profecias e deixar Deus fazer tudo sozinho, como tinha de ser, sem nenhum humano narcisista para falar meia dúzia de palavras filosóficas e BOOM - profecia aqui, profecia acolá... Caos, destruição, miséria... Não! Cada Bruxa era um mártir!
Mas, às vezes heroínas... Assassinas...?
"Posso ser assassina bebê Jeanne, mas eu sou criativa... - a Bruxa e a bebê riram juntas, como se fossem da mesma família - Preciso mesmo inventar um futuro para você, destes bem clichês que as mães à beira da morte inventam..."
Uma luz brilhou na cabeça calva da Bruxa:
"Bom... Aos doze anos você vai ouvir vozes de anjos te dizendo para libertar a França dos Ingleses... Seria possível? Não sabemos bebê, talvez se fosse fosse menino... Mas isso não vai ser problema para você, não... Você irá até o rei e vai conseguir convencê-lo! Você é forte assim? Desse tamanhozinho?!" - a Bruxa estava se deliciando com as probabilidades - Você vai tomar a frente das guerras, liderar tropas, vai libertar o povo... Mas, então... Ó não... Mas então, vai ser pega no auge de sua mocidade e vai ser queimada como uma bruxa, assim como eu...Mas, Jeanne, você terá uma recompensa, pois contos de fada são assim, bebê... Alguns anos depois vão te canonizar...!!!" - num tilintar de segundos, a Bruxa se irou com a história diabólica que havia inventado e jogou o bebê na cama bem ao lado da mãe morta - com TANTA raiva!
Como ela seria canonizada?! E as Bruxas de verdade, não ganham NADA?!?!?!
"VOCÊ NASCEU EM DESGRAÇA E VAI MORRER EM DESGRRRR..." - a cabeça da Bruxa explodiu no piso, ela nem pôde terminar a maldição - nem a refeição - a mãe que, parecia estar morta há alguns segundos atrás, estava bem viva, acertou com tudo a cabeça daquele monstro com uma lança enferrujada, pôde enfim, suspirar.
Olhou para sua menininha, suspirou mais uma vez.
"Você tem a profecia de uma mãe que voltou da morte pate te salvar, e um nome vindo de uma maldição, bebê Jeanne D'Arc, um evento tão intenso assim... Para uma menininha como você... Sua mãe matou uma Bruxa, mas você... Vai mudar o mundo!".
A mulher finalmente abraçou sua filhinha, e a amamentou...