Boa tarde, minha amiga e babá Fábia.
Eu vou me matar. Sim! Estou decidido! Eu, no auge dos meus quinze anos, já vivi o suficiente para saber que essa vida é muito injusta comigo. O único jeito de eu parar de sofrer é indo a direção a morte. E não tente me impedir! Porque contrariado, me matarei.
Mas aposto que você está se perguntando: “ó, meu Deus! Por que o meu menino vai se matar?” Pois bem. Saiba que a gota d’água da humilhação que sofro diariamente foi ontem à noite, aqui em casa. Tudo o que eu queria ontem à noite era um copo de leite quente com achocolatado. Pedi para minha mãe fazer para mim e ela não quis fazer! E se isso não bastasse, ela disse que se eu quisesse, que eu me preparasse. Quase explodindo de tanto sofrimento, rumei até a cozinha, coloquei o leite numa caneca, a qual foi posta no fogo. O leite foi por cima! Sujou todo o fogão! Minha mãe viu e disse que era para eu largar um pouco do celular e prestar atenção na vida! Ai, que dor no coração. Eu presto atenção na vida. Tanto que é por isso que sei que a vida é injusta. E para aumentar o sofrimento, minha mãe teve a audácia de me espezinhar e me mandar limpar o fogão. E para aumentar a humilhação, minha irmã de três anos de idade não parava de rir de mim.
Mas isso não foi tudo. Na minha vida, sofri por amor. Sim, estive e estou apaixonado. Mas a Vinícias, aquela piranha desleixada, nunca quis alguma coisa comigo. Eu sofro de amores por ela. Escrevo cartas, componho canções, invento formas mirabolantes para demonstrar todo o meu amor e sofrimento que sou obrigado a sentir por causa dela, por causa da minha paixão. Mas a Vinícias, aquela cobra desalmada, sai de mão dadas com o Margarido. Ela nunca olhou para minha dor. Nem para os meus olhos. Tão pouco para o rosto. Ela nunca olhou para mim. E isso tudo porque a Vinícias, aquela vaca desgraçada, caiu nos encantos do “oi” carinhoso do Margarido. Não é porque eu nunca tirei do computador todos os textos que escrevi para ela ou por nunca ter tido coragem de me aproximar dela, que ela não deveria ver o quanto sofro com esse forte sentimento.
Então, Fábia. Você sentiu o drama que é a minha vida. Na verdade, acho que a vida em si é cruel. Todos estão condenados a sofrer. Certamente você, nos seus 15 anos, passou por esses mesmos irremediáveis problemas. Como conseguiu não se matar, Fábia? Você é masoquista a esse ponto? Não existe lógica na mente humana em querer continuar vivendo em um mundo repleto de pessoas ingratas e malévolas. Pessoas que submetem pessoas boas a histórias como acabo de lhe compartilhar. De repente na sua pré-adolescência a vida fosse mais fácil e mais justa. Seus pais, mais compreensivos. Seus amores, mais correspondidos. Hoje em dia, com toda segurança, afirmo que não existe vida mais sofrida que a minha. Por isso, vou me matar. Diferentemente de você, que decidiu viver e sofrer.
Mas, Fábia. Antes de finalizar e me despedir eternamente, eu tenho dois últimos pedidos. E lhe suplico para segui-los conforme eu disser. Não conte para minha mãe que me matei. Sim! Não faça isso! Porque se ela descobrir, eu tenho certeza que ela vira até mim e terei grande chance de sofrer ainda mais, de sofrer com um puxão de orelha. Minha mãe ficaria muito brava comigo e certamente me puxaria a orelha. Eu nunca morri! Não me condene por esse pedido! Eu não sei o que acontece com nossos corpos após a morte! Vá que as pessoas continuem sentindo dor mesmo mortas. Eu não quero ser submetido a tanta humilhação e sofrimento após ter abandonado a vida. Levaria isso para o resto da eternidade e nunca descansaria em paz. É o que mais almejo nesse momento. Descansar em paz. E, por favor, Fábia. Me enterre num local confortável. Recubra o solo com uma grossa coberta de lã e sobre ela coloque um colchão de molas. Se posso sentir a dor de um puxão de orelha, posso sentir o solo frio e duro. Faça minha cova próxima a uma igreja com wi-fi e me enterre junto com meu celular – se a wi-fi tiver senha, por gentileza, descubra a senha! – Ah! Não cubra-me de terra, porque, talvez, Deus ou o padre verá como foi sofrida minha vida e podem me dar uma nova chance de viver novamente, mas, dessa vez, livre do sofrimento. Fábia, faça isso! Realize esses meus dois últimos desejos. Caso contrário, estarei condenado a sofrer mesmo morto e a única saída que terei para acabar com a injusta e sofrida morte será me matar.
Fábia, adeus.
Com carinho e sofrimento,
Frescolino parCarvalho.