“Não acredite em nada que você ouve, e apenas metade no que você vê.”
- Edgar Allan Poe
Dia X
Sinto o meu pulmão encher de água quando abro a boca, uma pressão cai sobre o meu peito. Estou me afogando, submergindo na água, sozinha. Arranho a superfície lisa e alva tentando me agarrar a borda da banheira, finalmente consigo. O meu rosto emerge na água, abro a boca agora para expelir a líquido alojado na minha boca, tusso e sai fiapos de sangue que colore a água. Olho para o chão perto da pia, lá estão os meus algozes... as pílulas, aquelas malditas pílulas e ele, é claro, ainda me matarão. O frasco vazio está jogado no chão, tento forçar a memória para descobrir quantas unidades ingeri, mas a minha memória falha. Droga!
Toc-Toc! Ouço alguém batendo na porta do meu quarto. Toc-toc. Novamente. Toc-toc. Três vezes, mais forte. Toc-toc. O meu coração acelera, sinto a minha respiração pesar e falhar. Levanto da banheira e visto a roupa suja que joguei ao lado. Toc-toc. Quantas vezes já bateram? Eu não lembro. Lágrimas molham a minha face se misturando com água do banho. Eu moro sozinha.
Dia X
Acordo encolhida dentro da banheira já vazia. O meu refúgio. Suponho que ele tenha ido embora. As batidas cessaram ontem, mas não tive coragem de sair. Eu não posso, estou presa na minha própria casa. Lavo o meu rosto na pia e tento me enxergar como era antes, mas não mais como era ontem e tão pouco serei quem sou agora amanhã. Sinto vontade novamente de chorar, falar, gritar e sair correndo, mas não posso. Ainda sinto a minha garganta seca e a minha boca tem sabor do sangue.
Giro a maçaneta e entro no meu quarto. Ele não entrou aqui. Eu dormi por alguns minutos, mas não era tempo suficiente para ele entrar. Ele entrou aqui? Sigo em passos lentos para a porta do quarto, me apoio na cama quando as minhas pernas cedem de medo. Só mais alguns passos. As oito fechaduras estão intactas. Destravo uma por uma e giro a maçaneta. A porta se abre revelando a escada, a casa está escura. As cortinas estão fechadas. Não entra luz, então ele não entra.
Contudo, antes de me arriscar lá embaixo, volto para o banheiro e pego o celular. Não posso esquecê-lo. Nunca. Desço os degraus, ao total são trinta e oito. Catorze. Vinte. Vinte cinco. Vinte e quatro, eu esqueci esse degrau e retornei para contar. Trinta e oito. Estou no térreo. Olho para todos os cantos da casa. Tudo parece estar normal, mas eu sei que não. Ele esteve aqui. Na minha sala, na minha cozinha, na minha escada e bateu na porta do meu quarto. Eu sei! Seguro os meus cabelos com as duas mãos e puxo para baixo enquanto me ajoelho e tento controlar a respiração.
Dia X
Ontem foram cinco pílulas. Hoje engulo sete, eu preciso disso. Conto uma sequência de números que criei aleatoriamente na minha mente. Ando de um lado para o outro no meu quarto, sinto o carpete afundar com os passos repetitivos. Mais outro passo e paro. A minha pupila dilata. A minha respiração para. Um flash intenso e grotesco atinge a minha cara. É ele. Eu tenho certeza. Mas como entrou no meu quarto, lembro que estou andando de frente para janela, mas está fechada com a persiana.
Corro o mais rápido que eu consigo. Tropeço nos degraus e o meu corpo rola a escada até chegar no último degrau. Os meus pulmões arfam, não consigo me mover. Tento me levantar, preciso tentar. Lágrimas escorregam na minha face, não posso desistir, eu preciso correr. Mas os meus olhos estão fechando, ouço uma batida da porta da entrada. Toc-toc. A porta é aberta com facilidade e um flash atinge o meu rosto. A minha visão fica turva até que tudo vira escuridão.
Dia X
Eu não sei quanto tempo permaneci desacordada, quando os meus olhos se abrem, percebo que continuo no mesmo lugar, caída no final da escada. Sinto algo na minha mão esquerda, movo-me e consigo levantar. Um dos meus vidros de remédio está na minha mão. Ele entrou aqui.
Observo que essas são as pílulas que foram receitadas para dormir, mas lembro que as descartei no lixo há meses, desde o incidente na banheira. Não preciso de algo para dormir, preciso me manter vigilante e acordada. Todas as horas. Ele pode estar me espreitando com aquela sua câmera. Ele quer que eu durma. Subo as escadas o mais rápido que eu posso. Entro no quarto e uso todas as trancas. Vou ao banheiro e abro a gaveta grande com os meus remédios. Tiro o frasco com pílulas para me manter acordada e engulo três, mas não são o suficiente. Dez pílulas. Eu já tomei mais que isso.
Dia X
Batidas. Flashs. Batidas. Flashs. Toc- toc. Clic-clac. Luzes. Acordo. Não era para eu ter adormecido. A minha respiração está ofegante. Paraliso. Olho para o quarto. Ele está aqui. Uma luz vermelha incide em todo o quarto, nas paredes há fotos. Levanto da cama, porém sinto uma dor de cabeça excruciante e ainda ouço ao longe sons de batidas na porta. A minha mente parece brincar comigo. Não consigo me manter em pé por muito tempo, então caio no carpete macio, a minha respiração está rápida. Eu preciso me levantar, falo em voz alta.
Consigo me ergue com dificuldade, ando em passos lentos até a parede em frente a minha cama. Olho agora de perto as fotos que parecem estar em processo de revelação. Todas são fotos minhas, mas fotos apenas do meu rosto. Enquanto durmo, quando estou desmaiada, caída na escada.
Meu corpo estremece, sinto uma dor angustiante. Preciso sair daqui, mas quando me movo flashs são disparados em minha direção, estão em toda a parte, eu não tinha percebido essas câmeras aqui até vê-las agora em cada canto do meu quarto. Há uma posicionada no tripé em frente a minha porta. Com os olhos fechados corro até lá e me choco com a câmera, mas sinto apenas a superfície dura da porta. Bato na porta com as mãos, com os braços. Por que não abre? Sem pensar, lanço a minha cabeça, repetidas vezes na madeira e sinto uma peça mental contra ela. As fechaduras. São as fechaduras. Destranco todas. Ele ainda está aqui no quarto comigo ou entrou pela janela, não posso pensar.
Pego o celular da pequena mesa perto da minha cama e corro até chegar no térreo, mais flashs em minha direção. Há câmeras espalhadas por toda a parte. Os meus olhos ardem e parecem que irão explodir. Levo as minhas mãos ao meu rosto e tento cobrir. Jogo-me no chão e fico com o rosto virado para aquela superfície. Com o celular em mãos ligo para um número da minha agenda de contatos. Ninguém atende. Droga. Ligo novamente. Atendem, mas desligam antes que eu possa falar. Começo a gritar desesperadamente e então o meu celular toca. Atendo. Preciso de ajuda. Preciso de ajuda. Digo o mais rápido que consigo. No entanto, a voz apenas responde que eu preciso parar de ligar e isso não é real. O que não é real? Não consigo pensar.
Uma mão grande me puxa fazendo com que eu me vire e fique com as costas no chão. Os flashs pararam. Vejo uma câmera tampando um rosto vindo na minha direção. Um clique. Uma luz. Um flash e então os meus olhos se fecham e não vejo mais nada.