Eu estava em casa, todos dormiam pois já passava da meia noite, mamãe como sempre dormia cedo e meu irmão idem, eu também, admito.
Mas não essa noite, meus olhos estavam atentos, focados na parede escura, na cortina branca e de renda que estava ao meu lado, meus olhos vagavam, assim como a minha alma perdida.
A alma tão avoada, e o casca que envolvia meu espírito estava fria, mesmo eu estando agasalhada e com cobertas, afinal era inverno.
Era um frio que atingia o interior, e não a pele, ao mesmo tempo que sentia essa sensação gelada, sentia o arder no meu peito, como se flechas flamejantes atingissem meu coração, dando uma pontada quente de dor, e esse calor subia para meus olhos, que transpiravam a água salgada da dor, do amor...
Da saudade.
Sempre fui chorona, não seria tão diferente agora, chorei um tempo, talvez segundos, ou minutos, mas afinal de contas quem está contando não é?
_ Tá foda... _ digo baixinho enquanto limpo os olhos.
Escuto um assovio, vinha do celular, era uma mensagem no WhatsApp, pego meu celular e meus óculos de leitura, vejo a mensagem do contato "Amor".
Era ele, meu querido.
Começo a puxar assunto, fingindo estar tudo okay, ele dizia estar sem sono, e nesse embalo, começamos a bater papo e tudo ia legal, meu disfarce estava tão convincentes, pelo menos era o que eu achava até que ele me mandou:
"Cê não tá bem não né menina? Te conheço de longe, q cê tem flor?"
Um ritual fácil para fazer eu desabar nesses momentos:
1° Colocar filme onde o cachorro morre
2° Perguntar se eu estou bem ou o que há comigo.
Não aguento, mando a mensagem:
"Quarentena tá foda cara, sinto saudades de você e nem posso ir até aí, tá difícil..."
Tombo a cabeça no travesseiro, ficando deitada de lado, olhando e aguardando ele digitar.
"Sei que tá foda pra você, pra mim tá tbm, mas o jeito é esperar" _ Vem como resposta.
Eu sabia daquilo, mas ainda tava complicado, só tinha alguns meses que não nos viamos e eu sabia que existia gente que tava enfrentando uma barra mais pesada com toda essa epidemia.
Mas mesmo assim, eu sentia falta.
_ Já teve a sensação de que está tudo bem, mas ao mesmo tempo não está?
Meu olhar se torna mais baixo, eu não queria admitir, mas tinha medo de nosso relacionamento ficar fraco e insustentável, era um medo bobo, mas hoje, uma amiga minha terminou com namorado dela por isso, eles já não estavam bem, mas ainda sim ...
Fico de novo aturdida pelos meus pensamentos, sinto o celular vibrar por um tempo, depois que saio daquele transe vejo uma chamada de vídeo perdida.
"Ele quer falar comigo por vídeo? Por que?" _ Penso, enquanto clico para fazer a ligação de vídeo de novo.
Ele atende quase que imediatamente, ao ver seu rosto, meu coração aquece um pouco, estava com o nariz meio vermelho por conta da gripe que pegou há alguns dias, cabelo desalinhado e a mesma blusona gasta de Star Wars que ele tanto amava.
Mesmo ele estando "um desastre" para uns, estava perfeito para mim.
_ Oi _ digo, meio sem jeito, pois também não estava arrumada nenhum pouco.
_ E aí _ ele sorri ao notar minha timidez _ Só pra constar, você não está tão ruim quanto eu
_ Ah para, só por que seu nariz está inchado e vermelho e você tá parecendo o bozo? _ dou risada, era inevitável brincar com ele, não importa o quão mal eu estivesse.
_ Engraçadinha _ ele revira os olhos _ Mas diz, por que está dizendo coisas tão negativas, senti que você tava estranha desde cedo.
_ Bem _ respiro fundo antes de começar, arrumando os cabelos com a mão livre _ Não vou mentir, tô insegura sobre a gente sabe?... Medo dessa quarentena se estender, medo do nosso relacionamento ficar ruim de repente, ou de você enjoar ou coisa do tipo ....
Ele escuta tudo atentamente, com um mais olhar sério que o habitual, após eu terminar de dizer, ele apenas suspira, procurando palavras até que diz:
_ Você acha mesmo que uma epidemia seria capaz de fazer eu deixar de amar você?
Não respondo, apenas espero ele dizer mais.
_ Sabe, eu entendo esse teu medo _ ele passa a mão entre os cabelos _ É algo que me dá medo também _ Perder você... Me assusta.
Eu vejo que estava dizendo a verdade, conhecia bem aqueles olhos não importa a distância que eles estavam.
_ Me desculpa, sei que a gente já falou disso antes e eu disse que não teria medo disso... _ falo, acanhada.
_ Temer algo não é motivo de vergonha, só acho que voce não tem que ter esse medo se você sabe dos meus sentimentos....
_ Eu sei, mas...
_ Mas o que?
_ Apenas sinto que não sou suficiente.
Digo aquela última frase, e sem perceber deixo uma lágrima escorrer, sabia que a quarentena estava mexendo com todo mundo, cada um de seu modo, e eu deveria ser forte, mas nem sempre é possível esconder os medos que temos.
_ Escuta _ ele diz, me olhando por aquela tela _ Você é suficiente, você é a garota da minha vida, você é...como um presente, que eu sequer sabia que queria entende? Vamos superar essa barra juntos, ok?
Apenas concordei com a cabeça, na boca não havia palavras para descrever o como aquilo, o como OUVIR aquilo significava para mim, de tudo o que eu precisava.
Ele sempre foi o que eu precisava.
Dei um sorriso sem jeito, amuado, parecia uma boba, ele apenas sorriu e balançou a cabeça, me olhando como quem olha para uma criança.
Eu era uma eterna criança quando estava do lado dele
Depois de um tempo, com essa troca de olhares, após eu me afundar naquele abismo, naqueles olhos castanhos ... ele ajeitou a postura e disse, com entusiasmo.
_ Vamo sair dessa deprê, me fala, como foi seu dia? Quero saber tudinho!
Contei para meu namorado tudo o que fiz hoje, e ele fez o mesmo, começamos a contar histórias, relembrar momentos, e não demorou muito quando começamos a rir, como dois bobos naquela noite.
Sempre acabava dessa forma, eu deveria saber.
Ele me fazia rir como ninguém.
E terminou do mesmo jeito, eu e ele dizendo o quão nos amamos, eu amava aqueles olhos castanhos, o jeito perdido o como ele me olhava, o sorriso calmo, e por fim eu e ele desligamos, com o coração calmo novamente.
Descibri algo que já não era novidade, descobri que seja lá o que vamos enfrentar, se ele estiver aqui, sei que....
Estará tudo bem