O Residente
Victoria C
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 28/11/19 16:22
Editado: 22/01/20 12:17
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 9min a 12min
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Palavras: 1496
Não recomendado para menores de dezoito anos
Capítulo Único O Residente

Eu permaneci muito dentro da minha cabeça e acabei perdendo-a.

- Edgar Allan Poe

24/04/1880

— Doutor Wright, o que você tem a dizer sobre as acusações? — Era a milésima vez que faziam uma pergunta como essa.

Sob o céu cinzento, pequenas gotas de água desabavam do céu, o doutor Wright saia do tribunal com um ar suntuoso em seu terno verde-escuro, a barba bem feita dava um ar jovem. Na calçada, vários jornalistas se aglomeravam esperando uma única palavra, sentia-se importante agora, sempre foi, mas agora seria visto por várias pessoas do Condado.

— Doutor Wright, por favor, apenas algumas palavras… — Um jornalista jovem chegou perto com um bloco e alguns rascunhos em mãos, o pescoço longo e estreito, era perfeito, e sem manchas, até aonde podia ver sem o colarinho e a gravata o apertando. Ficou estático observando aquele local do corpo que pedia para ser tocado, apertado, então se recompôs, se eles queriam algumas palavras, portanto falaria.

— Eu não tiro a vida das pessoas, eu as ajudo a ter uma vida melhor. — E assim que terminou abriu caminho entre os jornalistas e adentrou em um carro preto que estava a sua espera.

DOUTOR DA MORTE: FATO OU LOUCURA?

O doutor Harrison Wright, 45 anos, psiquiatra e chefe da ala psiquiátrica do Manicômio do Condado está envolvido em uma acusação de duas mortes no manicômio local. Segundo as duas testemunhas, pacientes do manicômio, alegam tê-lo visto sair do quarto, no qual na manhã seguinte do dia 22 de dezembro de 1869, foram encontrados dois corpos sobre as camas, o primeiro com sinais de estrangulação e o outro com ferimentos de um objeto cortante não identificado.

Os detetives ainda estão averiguando o caso, segundo fontes, alguns estão céticos sobre a acusação do doutor, pois as testemunhas do caso são duas mulheres internas do local, sem identidades reveladas, sabe-se que uma delas está internada por histeria, a qual foi levada pelo marido há dois meses e a outra mulher é acusada de assassinato, investigadores alegaram insanidade da mesma.

O fato curioso é que desde que entrou como residente na ala psiquiátrica, o número de morte de pacientes cresceu exponencialmente, o doutor Wright alega serem mortes naturais como confirmado no registro de óbito. O médico recorre à justiça para ter a permissão de atender os pacientes até a conclusão do caso que segue há mais de três meses sem resolução.

02/03/1865

O corredor longo e escuro do manicômio do Condado inspirava a imaginação do novo residente, estava há exatamente três meses naquele lugar, mas já arquitetava grandes planos. Caminhava ao lado do Doutor Hatman, um homem baixo e atual chefe da ala psiquiátrica, comandava dez médicos e agora um residente. Dr. Hatman caminhava devagar, com seus 70 anos passou trinta neste asilo, preocupa-se com o contingente de pacientes que chegavam ao local, na sua percepção nem todos aqueles alienados tinham de fato uma doença, moradores de rua eram deixados no local e até mesmo marginais, gradualmente todos enlouqueciam, era o que as enfermeiras diziam. Se houvesse uma forma de curar a todos. Contudo não tinha.

— Concordo. Precisamos de um método que higienize este local. — O Dr. Hatman assustado olhou para o jovem que acabará de falar e percebeu que não estava apenas pensando, mas falando.

Pararam no bloco que agora seria responsabilidade do residente Wright, adquirirá bastante experiência em poucos meses, era inteligente e atraia os olhares de inveja até mesmo dos médicos mais competentes. Aguardou por um instante até que o velho do Dr. Hatman desaparecesse na escada. Agora estava livre para fazer o que quisesse, não precisava de ordens. Passou anos estudando antes de ingressar como residente, sabia de técnicas novas e infalíveis que nenhum daqueles velhos poderiam sonhar que existiam. Era um médico, não apenas um residente e logo seria chefe daquela ala psiquiátrica e aplicaria seus métodos e suas regras.

Um grito ensurdecedor ecoou no longo corredor, não tardou para que enfermeiras e médicos aparecessem com agulhas enormes e equipamentos para deter quem fosse, já sabiam que só poderia ser um novo paciente adentrando no manicômio. O residente Wright correu para fora da sua pequena sala, enquanto uma pequena figura descabelada com dentes pontiagudos berrava pelo corredor, atrás dele havia um homem que aparentava estar cansado, mas acostumado com aquela situação, tentava conter o garoto. As enfermeiras se postaram na frente e sem o menor cuidado furaram o menino, que parecia ter doze anos, no pescoço. Outro berro de dor se esvanecendo foi ouvido, o garoto caiu sobre o chão duro, não houve comoção, após o ato um dos médicos falou algo que não foi ouvido pelos demais e depois se afastou, deixando o garoto no chão, até que algum dos homens responsáveis por levar os pacientes para o seu devido quarto aparecessem. O residente Wright, resolveu apenas voltar à sua sala e checar os seus pacientes, afinal de contas agora tinha muito trabalho para fazer, ele seria um revolucionário, iria de uma vez por todas higienizar aquele local, para que cenas como essas não acontecessem novamente… Nem que para isso precisasse pagar.

16/02/1866

Número 60. Paciente ADGJ, 53 anos, sem família. O doutor Wright, anotava o 60° paciente que morreu em sua ala. Causa do óbito: morte natural, com algumas escoriações não identificadas no pescoço. Essa seria a causa formulada para hospital, mas o ex-residente sabia o que tinha acontecido e que meios eram utilizados. Escondeu rapidamente o caderno e um canivete na gaveta da grande mesa de madeira quando o Dr. Hatman entrou abruptamente, seus olhos estavam arregalados e arfava.

— O que você fez, Wright? — O velho doutor esganiçou, a sua voz já não era como antes, agora estava debilitado.

— Desculpe-me, mas não estou entendo sobre o que o senhor está falando e agora tenho alguns pacientes para… — antes que terminasse de falar o Dr. Hatman o interrompeu.

— Para... o quê? Matar, você quer matar todos os seus pacientes?

Wright permaneceu incólume e calmo. Ora, quem era aquele velho para acusá-lo?

— Eu pensei que você pudesse ser como eu, ter ideias e o desejo de ajudar aos outros, proporcionar o bem-estar das pessoas quando elas mais precisam, mas agora vejo que é você que precisa estar em um daqueles quartos trancado e sendo atendido. Eu vou te dar cinco dias para você pedir afastamento do hospital psiquiátrico, caso ao contrário o conselho saberá dos seus truques e o que está acontecendo aqui. Cinco dias, Wright, cinco dias…

O Dr. Hatman saiu da sala, deixando um Wright pasmo com audácia daquele homem, não conseguiu disfarçar e gargalhou tão alto que o Sr. Hatman pode ouvir das escadas. E não é que o velho sabe dar bronca? Cinco dias, ele disse, cinco dias que o farão se arrepender.

18/02/1866

DOUTOR É MORTO POR UM DE SEUS PACIENTES

Na madrugada do dia 18, de fevereiro, o Doutor Philip Hatman foi encontrado com marcas de estrangulamento e sem vida, por um dos residentes, Harrison Wright, no quarto de um dos seus pacientes na ala psiquiátrica do Manicômio do Condado. Segundo o informado pelo hospital, não há dúvidas de que a morte foi causada pelo paciente de 34 anos, cujo o nome não foi divulgado. O Doutor Hatman, era chefe da ala psiquiatra do maior Manicômio do Condado, serviu ao hospital por mais de trinta anos, era conhecido por sua gentileza mesmo com os pacientes difíceis e tinha grandes planos para revolucionar os cuidados com os pacientes. Após a sua morte o talentoso Dr. Harrison Wright irá assumir como chefe da psiquiatria e disse que seguirá os passos do seu antigo tutor, o Doutor Hatman.

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Número 61. Sem identificação. Mais um para a sua lista, não era um paciente, mas havia higienizado o hospital do empecilho que considerava ser o velho Hatman, era o que o Dr. Wright pensava, enquanto fitava o seu caderno. Agora estava na sala maior de todas e era o chefe da ala psiquiátrica do Manicômio do Condado. Hoje tivera que atuar como nunca, derramar lágrimas que disfarçavam uma máscara de riso e satisfação. Ele me deu cinco dias para sair e em dois dias eu o fiz desaparecer do Manicômio.

27/04/1880

DOUTOR DA MORTE

Após três meses de acusação, o Dr. Harrison Wright é novamente causado de mais de 50 mortes contabilizadas nos registros oficiais do Manicômio do Condado, alguns funcionários do local afirmam que mais pacientes morreram sobre o cuidado de Wright, apelidado por todos de Doutor da Morte.

Há dois dias surgiram novas alegações, nas quais ele pode estar envolvido como o principal suspeito da morte do Dr. Philip Hatman , que foi encontrado morto no ano de 1866 no Manicômio, ainda sem provas concretas, alguns investigadores da época relembram que o Dr. Hatman estava com marcas no pescoço quando foi encontrado pelo Dr. Wright, o que mostra uma ligação com as mortes do dia 21 de dezembro de 1869. O psiquiatra ainda está afastado das suas atividades do manicômio, mas recorre ao juiz para retornar com seus serviços na ala psiquiátrica.

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Apreciadores (4)
Comentários (4)
Postado 01/08/20 13:06

Quanta perfeição!! Estou extasiada com tamanha horrorosidade!! Que história maravilhosa!! Que texto maravilhoso!!

Gosto muito de contos mórbidos de terror, cheios de sangue e mortes, e com esse doutor exterminador eu pude me deleitar muito com a leitura!!!

Meus sinceros parabéns pela criatividade na história e talento na escrita!!!

Um abraço!

Postado 03/08/20 20:55

Que bom que gostou do conto, fico feliz por isso. Gosto muito de contos de terror e esse é um dos meus favoritos. Obrigada pelo comentário!

Postado 01/08/20 20:29

É uma leitura chocante, mas surpreendente do começo ao fim. Tudo é muito bem construído e desenvolvido, o que enriquece muito o texto e a experiência de leitura.

Obrigada por compartilhar conosco!

Meus parabéns, Victoria! ♥

Postado 03/08/20 20:55

Muito obrigada e fico feliz que tenha gostado da leitura!!!

Postado 19/08/20 15:25

Meu Deus do céu, moça, vc é muito boa pra escrever essas histórias de terror, aqui no site está cheio de autores talentosos pro terror, muito legal isso, parabéns pela história tão bem escrita, vc é ótima escritora viu *_*

Postado 30/09/20 13:50

Muito obrigada!!! Fico feliz com o seu comentário e, realmente, têm escritores incríveis desse gênero aqui!!!

Postado 22/08/20 23:35 Editado 22/08/20 23:36

O que eu acabei de ler? Não, sério! O que eu acabei de ler?????

Estou em choque aqui! Olha essa riqueza de detalhes, toda essa criatividade. Já quero pregar esse texto na testa e sair mostrando ao mundo!

E o melhor (ou pior) é que casos semelhantes podem realmente existir na vida real. Não tenho uma memória muito boa, mas acho que já li sobre algo desse tipo. Humanos são estranhos, é isso.

Parabéns!!!

Postado 30/09/20 13:51

hahaahah!!! Obrigada e fico feliz que tenha gostado! Sim, infelizmente, casos parecidos com esses aconteciam e ainda ocorrem.

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