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hoje vou me vestir de flores
para que todos finjam que
não estou escancarando minhas dores
me pintarei inteira de arco-íris
contarei piadas proibidas e medíocres
que não devem ser proferidas
em horário de serviço
para que todos riam e vejam
como eu sou mesmo
amável e cínica
ninguém viu o tanto de socos que desferi
em minha própria pele ontem a noite
ninguém ouviu meus gritos:
abafados de pânico
ninguém lamberá minhas mãos
nem curará minhas cicatrizes
como saliva canina
eu sei que de todas as formas estou sozinha
mesmo com um amor
em forma de homem que me ama
mesmo com uma família
que me ama, compreende, dá abrigo e comida
mesmo com um emprego, que me torna
escrava do tempo, mas que paga as
poucas contas que um salário ínfimo
me permite.
mesmo com tantos bons amigos...
me sinto sozinha, ouvindo voz de gente
sentindo cheiro de gente
e ajudando gente
me sinto sozinha
sozinha eu desferi cada corte
sozinha me permito sentir feia
sozinha me permito odiar minha cabeça
esta grande fanfarra que chamo de mente
sozinha me permito fingir que escrevo poemas
sozinha me permito desejar queimar
(e amar)
cada um deles
mas hoje, vou me vestir de flores
contar piadas
falar de amor
de pecado
e de medo
chegarei em casa,
dormirei em meu leito de pesadelos
e vou acordar já me esquecendo
de seus segredos
o dia recomeçará cedo
pintarei meu corpo de prata
rangirei os dentes
e novamente, vou prometer com lágrimas
na frente do espelho
que mais uma vez, estou com medo