No ônibus ia escrito em letras garrafais "Praça Ramos", no entanto, o ponto ficava na Praça do Patriarca, devido as obras da estação Anhangabaú, na verdade, nem lá era, ficava mesmo na rua Líbero Badaró...o centro de São Paulo era uma profusão de confusões, desenganos e endereços errados.
Eu, molecote, depois de um dia pesado de andar em cartórios e bancos, correndo e enfrentando filas, recolhendo carimbos e assinando protocolos, queria voltar ao Butantã, haviam três filas no ponto, a primeira de quem embarcaria no primeiro e outras duas, para os ônibus subsequentes, eu estava na primeira e o carro encostou.
Na calçada oposta havia uma loja de discos, aliás, o centro de. Sampa era lotado delas, estamos em 1981.
De lá veio um som leve, uma melodia que subia de uma forma evolutiva, um tango sem os compassos sincopados que, o tango geralmente tem.
Refém da melodia, perdi a pressa que tinha e fui para a última fila, o ônibus se foi lotado, um senhor de paletó quadriculado e com fartas suíças que estava sentado em frente à banca de jornais, se recostou na cadeira e, de olhos fechados, murmurou alto:
_Ah, Astor Piazzolla.
Fazia muito frio, as pessoas passavam esfregando as mãos, iam e vinham em seus rituais cotidiano e o som daquele acordeom combinava com aquele cenário, pensei que queria eternizar aquele momento mágico, momento único.
Enfiei a mão no bolso, que distraído, contar dinheiro no centro de São Paulo, tinha dinheiro comprometido, no dia seguinte o meu time ia disputar a final no Morumbi.
Sai da fila, entrei na loja e, antes de comprar o disco, fiz o vendedor reproduzi-lo, faixa por faixa.
No dia seguinte fui ao estádio sem dinheiro, fazer vaquinha para gritar na arquibancada.