Sempre fui estimulado e pressionado a me expressar de forma correta.
Na quarta série, a tia Maria nem olhava para a cara de quem se expressasse de forma errada, tinha que se colocar uma frase com todas as vírgulas, respirações e entonações, verbos conjugados no tempo certo e o escambau.
Na adolescência, o seu Tinoco, meu chefe contador, não respondia a qualquer pergunta dirigida a ele, sem antes corrigir a pronúncia certa.
Bom, cresci nos anos 80, entre folias e bailes Black, o movimento negro foi mais conhecido como "Função" na periferia da Pauliceia desvairada.
Como todo garoto da zona oeste, a comunicação era feita em forma de gíria, ops...gíria não, dialeto.
Nas ruas, eu usava a gíria, no serviço, falava a língua oficial do país.
E como, quase todo mundo da época, eu fazia parte de uma turma, as pessoas de má vontade davam a elas o nome de gangues.
Numa bela tarde, no Largo de Pinheiros, minha turma, os "Neguinho do Educa" se viu frente a frente com uns rivais, esses se denominavam "Os cabulosos" de Osasco, bastava uma simples fagulha e aconteceria a maior batalha campal do século, contando entre as duas turmas juntas, um total de mais duzentos membros.
As duas turbas de frente se olhavam ameaçadoras, uma ameaçando o direito da outra passar.
O chefe da turma rival gritou-nos:
_Sai da frente ou vira fumaça.
Nesse momento eu percebi que as palavras foram dirigidas a mim, isso posto, cabia a mim o comando do grupo e, sendo assim, eu seria o portador do fogo que acenderia a guerra, seria imortalizado, esse neguinho aqui.
Braços abertos na Angola, olhos duros e as duras palavras:
_Vocês estão nos tirando???
Segue-se um silêncio constrangedor, o suor escorria pela testa, os nervos tremiam, o tremor só cessaria com o inevitável confronto.
E segundo se passam, me dei conta do meu erro imbecil, eu devia ter dito..."Cê tá tirando nóis?", ao invés disso, pronunciei a frase como as professoras de todo mundo diria.
Atrás dele, um gaiato não se aguentou e quebrou o silêncio lançando uma enorme gargalhada, seguida por uns do lado de cá e outros do lado de lá.
Eu ainda com o corpo arqueado e os braços abertos e todo mundo rindo a valer.
Foi assim que a temida e esperada batalha de Pinheiros terminou, na padaria do Portuga, seis ou sete caixas de cervejas depois.