A frase certa
Nilton Victorino Filho
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 31/07/19 16:24
Gênero(s): Cotidiano
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 2min a 3min
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Comentários: 1
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Palavras: 399
Livre para todos os públicos
Capítulo Único A frase certa

Sempre fui estimulado e pressionado a me expressar de forma correta.

Na quarta série, a tia Maria nem olhava para a cara de quem se expressasse de forma errada, tinha que se colocar uma frase com todas as vírgulas, respirações e entonações, verbos conjugados no tempo certo e o escambau.

Na adolescência, o seu Tinoco, meu chefe contador, não respondia a qualquer pergunta dirigida a ele, sem antes corrigir a pronúncia certa.

Bom, cresci nos anos 80, entre folias e bailes Black, o movimento negro foi mais conhecido como "Função" na periferia da Pauliceia desvairada.

Como todo garoto da zona oeste, a comunicação era feita em forma de gíria, ops...gíria não, dialeto.

Nas ruas, eu usava a gíria, no serviço, falava a língua oficial do país.

E como, quase todo mundo da época, eu fazia parte de uma turma, as pessoas de má vontade davam a elas o nome de gangues.

Numa bela tarde, no Largo de Pinheiros, minha turma, os "Neguinho do Educa" se viu frente a frente com uns rivais, esses se denominavam "Os cabulosos" de Osasco, bastava uma simples fagulha e aconteceria a maior batalha campal do século, contando entre as duas turmas juntas, um total de mais duzentos membros.

As duas turbas de frente se olhavam ameaçadoras, uma ameaçando o direito da outra passar.

O chefe da turma rival gritou-nos:

_Sai da frente ou vira fumaça.

Nesse momento eu percebi que as palavras foram dirigidas a mim, isso posto, cabia a mim o comando do grupo e, sendo assim, eu seria o portador do fogo que acenderia a guerra, seria imortalizado, esse neguinho aqui.

Braços abertos na Angola, olhos duros e as duras palavras:

_Vocês estão nos tirando???

Segue-se um silêncio constrangedor, o suor escorria pela testa, os nervos tremiam, o tremor só cessaria com o inevitável confronto.

E segundo se passam, me dei conta do meu erro imbecil, eu devia ter dito..."Cê tá tirando nóis?", ao invés disso, pronunciei a frase como as professoras de todo mundo diria.

Atrás dele, um gaiato não se aguentou e quebrou o silêncio lançando uma enorme gargalhada, seguida por uns do lado de cá e outros do lado de lá.

Eu ainda com o corpo arqueado e os braços abertos e todo mundo rindo a valer.

Foi assim que a temida e esperada batalha de Pinheiros terminou, na padaria do Portuga, seis ou sete caixas de cervejas depois.

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Apreciadores (2)
Comentários (1)
Postado 10/08/20 19:01

Nossa, que história incrível!!

Eu adorei a reviravolta do final!! Nunca que eu ia imaginar que o português em norma culta poderia ser usado para apaziguar um conflito!! Que demais!!

Meus parabéns, você sempre escreve obras maravilhosas!!!

Um grande abraço!!! <3