Como eu disse, fazíamos parte de uma mesma moeda, diferentes, mas sem antagonismos e tínhamos assuntos pra toda hora, muitas vezes, em hora de repouso, ficávamos com a toalha de mão nos rostos, fazendo que dormíamos e continuávamos cochichando, posto que éramos vizinhos de cama.
Algumas vezes virávamos um trio, quando batíamos nas latas penduradas na tela que dividia os pátios, fazíamos o som e o André cantava os sambas mais lindos desse mundo.
Em sala de aula, desde o jardim de infância, nossa companheira era a Marta Yoshie, até que tentaram nos separar dela, mas ela ficou muito triste, a ponto do pai dela implorar que nos deixassem juntos, era um trio estranho aquele, numa sexta-feira, ao final da aula, o pai dela nos levou pra um passeio, ela ia completar oito anos no domingo, passamos esses dias na casa dela e ainda que fosse no Cambuci, era uma réplica das casas do Japão, com jardins, lagos, cascatas e santuários.
Avisados com antecedência, os convidados trouxeram presentes para a aniversariante e para os amiguinhos dela que, coincidentemente, aniversariavam na mesma semana.
Mas, via de regra, desde quando chegamos, não nos apartamos mais e a dupla era chamada pelo nome e o sobrenome, geralmente quem aprontava era ele, mas eu era o maior, meu nome vinha em primeiro, na hora do grito:
_NILTON E FERNANDINHO !!!!! e, lá vinha o castigo, metade pra cada.
Eu não tinha visitas, a mãe dele trazia "bode" pra dois, no caso de recomendações, ela fazia pra mim, pois sabia que ele fatalmente esqueceria.
Um dia, com a desculpa de resgatar uma bola, subimos naquela lage que tem, entre a sala de aula e o pátio, como a moça, estava ocupada com os outros meninos se distraiu, fomos andando, voltando os pátios agachados, chegamos ao Menino Jesus, havia ali duas linhas de arames farpados, com facilidade pulamos pra rua, fizemos a volta no quarteirão e chegamos na portaria.
Todo mundo foi chamado, a Olga foi acusada de ser negligente e se defendia, de canto de olhos dava pra sentir que ela queria nos esganar, a madre Márcia queria o pescoço de alguém, menos os nossos, a madre Da Glória já nos havia presenteado com seus famosos beliscões, os meninos foram trazidos pela Olga e nos olhavam com olhos de cumplicidade e admiração e, com certa pena, já que se falava-se em desinternação ou transferência de colégio.
De cabeças baixas, esperamos e torcemos por um milagre, de frente pro Fernandinho, pude ver que, acima dos ombros dele, a rampa estava iluminada de sol, um vento fazia o véu da madre Brasil esvoaçar e, não tive mais medo de nada, ela entrou no saguão e o saguão se iluminou, em vezes, dava a impressão que ela sempre andava acompanhada de um batalhão de anjos.
Caminhou em nossa direção, ficou no meio de nós e pousou as mãos em nossas cabeças e, com a naturalidade de quem educa disse:
_É logico que eles ultrapassaram os limites, mas voltaram.
Se pularam é porquê estava fácil, se fossem outros meninos poderia acontecer o pior.
E, resolveu tudo, o Juventino consertou a falha na segurança e, isso não evitou o castigo, ficamos sem ir ao Zoológico.
Mas, quem disse que a dupla, sozinha, não se divertiu na Casa de Infância vazia???