Pra me desculpar da hstória do casal do 14, aquela que expus uma parte triste da minha infância e, posso ter dado a impressão de que a vida dos internos era sofrida, vou me redimir e contar sobre um casal que nos veio depois, a frase é batida, mas é real(depois da tempestade vem a bonança).
O seu João e a dona Helena trouxeram pra nós, a certeza de que a vida era muito boa.
O seu João era mineiro, daqueles mineiros de fala mansa, que contam histórias, conversam de igual pra igual e nunca recorria à violência, a dona Helena chamava os guris de filho.
Era o retorno do casal ao Educa, anos antes, eles cuidaram do pavilhão 13 e ainda que estivesse agora no 14, todos o chamavam de seu João do 13.
Logo que chegou, falou pros meninos, que quisessem, que se carpissem a produção seria divididas em partes iguais e uma parte seria dele.
Então fomos produzir e, com boa vontade, fazíamos muito mais em menor tempo.
Deu uma boa produção e vendemos tudo, a nossa parte deu pra comprar muitos doces e várias bolas de capotão oficial, com a parte dele, nos deu uma visita ao Zoológico e o melhor natal de todos os tempos.
O casal tinha dois filhos, o Cesar e a Lúcia.
O Cesar tinha 23 anos, formado em arqueologia, vivia viajando e quando vinha, trazia uns apetrechos da África e do Egito, vestia-se com botas de pele de cobra e tinha chapéus de John Wayne, era o herói da molecada e dos grandes também.
A Lúcia tinha uns 25 e era a criatura mais formosa em que os guris do 14 já haviam posto os olhos.
Quando ela passava, fazia um profundo silêncio, em seus olhos brilhava a luz, quando ela sorria, o dia se iluminava, quando ela respirava, a rosa tinha inveja. Pra os meninos do 14, havia a beleza e havia a Lúcia, ela era a beleza elevada ao cubo.
Do lado de fora do pavilhão 14, seguia-se uns 10 metros de terra batida e principiava-se um barranco de uns 2 metros, se muito, acima do barranco havia uns pés de uvaia, uma frutinha amarela que, mesmo quando amadurecia, era azeda.
Numa bela tardinha, eu o Viana e o Téquinha subimos cada um num pé e ficamos em cima, colhendo, tirando os bichinhos e comendo, enquanto isso conversávamos.
A Lúcia saiu para a área trazendo uma cadeira de praia, ajeitou-a na terra batida e se sentou os galhos das arvores não permitia que ela nos visse e nós a víamos nitidamente.
Escravo dela, o raio de sol iluminava e uma doce brisa veio beijar-lhe os cabelos negros.
Um galho me atrapalhava a visão e ao tentar me ajeitar num outro galho, pisei num galho mais fino e, feito fruta madura, cai.
A Lúcia se assustou e subiu o barranco pra me ajudar, não doía nada, mas eu gemia, gemia de vergonha.
A Lúcia, além de linda, era generosa:
_Onde dói? perguntou agoniada.
Ainda a gemer, levei a mão direita à face esquerda, ela pegou a minha cabeça com as duas mãos e beijou-me a face.
No mesmo instante do beijo, as duas frutas que ainda havia nas arvores despencaram.