Lá estava o maldito homem, em posição fetal na antiga cama que antes pertencia á ela, ouvia ainda os murmurios dela na janela que estava á suas costas, voz adoentada, quase que macabra.
"Deixe-me entrar meu amor, sou eu..."
Ele se recusava a se virar para trás, com medo de encontra-la, por mais que a amava, se recusava a ve-la, sabia que poderia não suportar, então em voz embargada por conta das horas de choro convulsivo ele pede para que ela se vá embora.
"Não posso, meu destino é atormentar-lhe, a culpa é sua, você me deixou morrer, você disse me amar, então que direito tinha de ir embora?" _ A voz feminina e sussurrante ecoava da janela molhada pela chuva.
"Me deixe em paz! Me deixe! Eu a vinguei, revirei e desvirei este mundo para vinga-la, tive meus motivos para ir, mas voltei, tudo acabou, a culpa é minha. Mas eu a vinguei, vá se embora, meu mundo está distorcido e nele só se encontra morte e vingança por tua causa mulher!" _ Gritou o homem afundando o rosto entre os joelhos, os cabelos escuros umidos, de suor, pelos diversos pesadelos causados.
"Oh meu amor, eu sei, o sei, sei bem o que fizeste para que pudesse vingar o que a mim fizeram, mas é tarde, muito tarde.... Deverias agir como dizia aquele héroi do livro sabes?" _ A voz que só existia na cabeça do rapaz desesperado se aproximou e sussurrou: "Mate-se, se junte a mim, morreremos juntos, como aquele lindo casal daquele livro que tanto amavamos"
Naquele momento o rosto masculino de distorceu, totalmente enojado, se levantou abruptamente e se virou, e então a viu.
Estava branca, com a mesma camisola, ensopada em sangue seco, os cabelos dourados caiam oleosos sob o rosto magro, os lábios enegrecidos e carnudos, belos e horrendos, e o as mãos finas e delicadas, acariciavam o vidro da janela, e os olhos azuis frios e distantes, o olhavam.
Era sua amada, mas ao mesmo tempo não era ela, não a sua amada.
"Saia de minha cabeça mulher maldita!" _ vociferou a unica voz da casa _ "Expulsa-la-ei daqui, não faz mais parte de mim, já a fez, eu já fiz o necessário para que ficasse em paz, se a paz não te alcançou, é por que nunca a mereceu. Maldita mulher!"
A assombração ficou séria, contemplativa, e logo, uma lagrima caiu de seu belo e funebre rosto.
"Casei-me com outro por que foste embora e por ordem de minha matriarca, tive um filho que tirou-me a vida por que fostes EMBORA, e depois que voltastes, estava eu adoentada, e o que fizestes? Matou o rapaz com quem me juntei por ciúme e ódio. Nunca me amaste. amaste a vingança" _ Soou a voz espectral por fim, de forma assustadoramente grosseira.
"Não és a verdade, nunca a foi meu amor, você em realidade nunca se importou com a matriarca, casou-se com o homem rico e teve aquele maldito rebento por puro dinheiro. Pois me amavas, mas amavas mais o dinheiro, e ele foi sua ruina" _ respondeu por fim o rapaz, agora com os olhos faiscando de puro desdém, sem lágrimas. E recebeu em troca, uma risada cortante e uma ultima voz:
"Ainda irás para o mesmo lugar aonde fui, ficaremos juntos novamente, afinal, teu amor e posessão foi capaz de matar todos ao seu redor, e te levará ao inferno"
A mulher de repente, atravessou a janela como se ela nunca existisse, e abraçou o amado, de forma espirituosa, como se fosse carne e ossos novamente, apertou as costas do rapaz de forma quase sufocante.
Um ultimo abraço.
E então sem olha-lo voltou por onde tinha entrado, desaparecendo enquanto caminhava pelos pastos e pela vasta terra batida, arrastando sua camisola branca.
O homem não reagiu ao abraço, nem mesmo reagiu sobre nada durante vários segundos. E então em um impeto de fúria o mesmo socou a vidraça onde ela aparecera e atravessara, cortou as mãos, o amargo sangue saia das juntas das mãos, mas ele sequer gemeu de dor, agora amaldiçoava a mulher que um dia amou.
Sentiu logo depois o frio cortante que a geada trouxe através da abertura da janela que quebrou,e logo os ossos da mão cortada doerem.
Mas ainda sim, não se importava.
Ele antes desafiaria até mesmo Deus e se envenenaria para ficar junto da sua amada, como o livro que um dia leu, mas agora, via, que nunca teria coragem para tal.
A amava sim, mas agora também a odiava, se ela fosse viva, também se vingaria dela.
Afinal, agora percebera.
Ele amava a vingança.