Minha Herói
Maquina de Contos
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 13/02/19 19:17
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 7min a 9min
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Palavras: 1129
Não recomendado para menores de catorze anos
Capítulo Único Minha Herói

Ficar bêbado sempre rende boas histórias não é mesmo? Mas isso é sempre muito tempo depois do acontecido. No meu caso é muito raro me ver bebendo e muito mais raro me ver embriagado, mas nas poucas vezes que cheguei a esse ponto, passando o perigo imediato e ignorando as pequenas sequelas, é possível rir com o absurdo da situação.

Você pode confirmar o que digo pela história do meu último trago em excesso: Era final de ano, o último round e 2016 havia jogado duro durante os outros 11 rounds, era uma sexta-feira de uma semana que pedia algum exagero e 3 dos meus amigos da época do ensino médio estavam lá para uma “encharcada simbólica” – digo isso pois quando eram mais jovens bebiam mais do que uma Mitsubish Triton, mas desta vez estavam todos responsáveis – cada um bebeu não mais do que 2 ou três copos de cerveja. Conversamos por mais ou menos 1 hora e todos já estavam dispostos a volta para suas casas... menos eu... eu queria encher a cara...

Vamos e convenhamos, talvez nenhum de nós fossemos mais aqueles jovens irresponsáveis. Tínhamos emprego, esposa gravida, com filhos esperando em casa e ainda tinha o carona da vez que ficou somente no suquinho de laranja com canudinho arco-íris e, no dia seguinte todos inclusive eu, tínhamos que ir trabalhar. Eu - um prodigioso bêbado na ocasião - acabei discutindo com todos eles que se recusaram a ficar, um ainda saiu fazendo piada da minha cara dizendo “cuidado, cu de bêbado não tem dono”... a verdade é que eu me entreguei na mão do palhaço e decidi descer a Av. Augusta sozinho... sozinho não! Eu, minha garrafa e o palhaço verdadeiros e únicos amigos que me acompanharam nos vários inferninhos da baixa augusta.

Devido ao ambiente salutar já havia me esquecido dos meus amigos caretas, quando fui expulso do terceiro inferninho por – pasmem! – Comportamento inapropriado. Pensem comigo, o que uma pessoa faz num inferninho para ser expulso por comportamento inapropriado? O que eu fiz? Você me pergunta? Eu não sei, não me lembro, mas não deve ser à toa que um dos apelidos do local seja “casa de tolerância”, mas a história mais interessante ainda tava para acontecer:

Numa dessas movimentações de entra e sai de inferninho, antes de entrar no próximo avistei uma mulher de minissaia toda brilhante, num primeiro momento pensei que fosse alguma ex-jogadora de basquete pois era alta e com o corpo “levemente” – com grandes aspas – desenvolvido. Forcei a minha vista turva de cachaça nas pernas da moça e constatei que estavam um tanto quanto peludas, pique Tony Ramos... estranhei um pouco... quer dizer, não deve receber muitos clientes desse jeito.

- Moça? – Eu chamei – A senhora é nova nesse ramo?

- Por quê? Procura alguém experiente, querido? – Ela se virou dizendo com uma voz tão suave e aveludada quanto um caminhoneiro com dor de garganta. Seu rosto... apesar de muito talco clareando sua face, ainda dava para perceber a sombra do que seria uma barba... e ainda tinha o pomo de adão... um pomo de adão quase tão grande quanto uma bola de golfe.

- Desculpa a pergunta, mas a senhorita guarda em seu acampamento um peru ou uma periquita? – Eu perguntei da maneira mais descuidada que um bêbado consegue perguntar.

- Sou mais mulher do que muita mulher que você já teve na vida, querido, pode apostar. – Ela disse estalando os dedos e balançando a cabeça.

- Mas então a senhorita é na verdade um senhorio mesmo.

- Olha cara, está atrapalhando o meu serviço... vai querer alguma coisa ou não? – Dessa vez ela assumiu um tom e uma postura totalmente masculinos, me peitando e abrindo os braços. Naquele momento tive a certeza que debaixo da minissaia não havia uma aranha, mas provavelmente uma serpente. Fui me afastando sem dar as costas para ela, meu raciocínio de bêbado preconceituoso estava dizendo que se o fizesse seria currado pelo colega afeminado.

Passei um bom tempo no inferninho, somente acompanhando a movimentação, pedindo uma cerveja atrás da outra, com meu raciocínio apurado jurando que se continuasse a consumir álcool, não somente eu ficaria bêbado como o barman que me servia e tão embriagado quanto eu, este esqueceria de me cobrar e sendo assim não descobriria que eu estava somente com meu RG na carteira. Para piorar uma das funcionárias do inferninho resolveu dizer numa discussão com seu superior que eu havia consumido alguma droga que era vendida no quarto, na hora do ato. Devo salientar que ainda tentei protestar exigindo meus direitos de consumidor, mas somente balbuciei protestos que eu mesmo não conseguia compreender... resumindo: Fui pro chão... e apanhei feio, mas olha! Apanhei feito um “cãodenado” – talvez esteja escrevendo bêbado, considere isso também neste trocadilho – me levaram para fora a tapas e bordoadas. Caído na sarjeta, já estava desmaiando e não sabia se era pelas pancadas que recebi ou porque estava entrando em coma alcoólico, só sei que antes de apagar ouvi a voz da trans rouca e brava, gritando algo que não consegui nem imaginar. Acordei um bom tempo depois sendo carregado pela mesma como uma noiva ou como Whitney Houston em O Guarda Costas... se tivesse força suficiente para chorar eu choraria pois não conseguia nem reagir e dependendo das intenções e para onde estivesse me levando, um de nós se daria muito bem e definitivamente esse alguém não seria eu... tudo que consegui pensar antes de apagar de novo foi no aviso clássico “cu de bêbado não tem dono”.

***

Acordei no hospital cheio de curativos espalhados pelo corpo e um braço quebrado. Olhei em volta e encontrei meus amigos presentes no quarto e após algumas explicações do estado dos meus hematomas, me foi explicado também que a transexual chamada por enquanto de Gesualdo deu uma surra nos caras que me levaram para fora e me carregou em seus braços até o hospital e aguardou até que meus amigos chegassem e estes, querendo caçoar de mim já começaram a soltar comentários do tipo “eita, o travesti te arrebentou todo, hein” e “não sabia que tu curtia um Sodoma e Gomorra” e eu? Eu só tive moral para dizer “travesti não! Transexual... e o nome dela é Gesualdo”. Até hoje repito isso para quem tenta zombar da situação, nunca mais a vi, mas contando esta história espero que ela entenda que é uma forma de agradecer pelo o que fez por mim.

OBS: quando estava me vestindo para sair do hospital senti minhas nádegas um tanto quanto grudentas, eis que então entra no quarto o enfermeiro, um tanto afeminado, ao ver que eu ainda não havia terminado pediu desculpas e disse com certa malicia “cu de bêbado não tem dono, não é mesmo? ”. Até hoje prefiro pensar que não entendi para não ter que passar por terapia.

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Apreciadores (2)
Comentários (3)
Postado 16/02/19 18:51

Nunca mais piso num hospital depois disso hahaha.

Conto envolvente e engraçado. Eu nunca bebi, então foi interessante ler um conto onde me mostrasse essa perspectiva.

Continue postando =)

Um abraço

Postado 16/02/19 19:40

Que criatividade maravilhosa! Estou impressionada.

A leitura deste conto me proporcionou risadas e uma grande admiração pelo autor.

Obrigada por ter compartilhado essa obra conosco.

Meus parabéns ♥

Postado 17/08/20 21:07

Olha, eu ri! O final foi magnífico!

Parabéns!

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