Sempre achei mudanças muito chatas. Sempre são tediosas e cheias de obrigações. Coisas para empacotar, coisas para organizar, coisas e mais coisas. Mas, é pior ainda quando se tem que mudar para um lugar completamente novo e estranho. Minha família sempre foi do tipo que se esforça para que tudo saia perfeito. Inclusive o próprio relacionamento entre os meus progenitores. Era óbvio que as coisas já não iam tão bem como antes. A chegada de um novo filhote meio que esfriou as coisas e meu pai precisava de outras distrações. Meus irmãos nunca entenderiam como eu entendia.
Mesmo contrariada, algumas coisas tem que ser feitas em nome do que você ama, não é mesmo? Pensando no bem da minha pequena família, me despedi dos poucos amigos que acumulei durante os meses de vida e segui, como um bom guaxinim adolescente deveria fazer. As coisas estavam indo bem para mim, não poderia ser egoísta, afinal, os guaxinins que eu chamo de família também mereciam ser felizes. Se ir para longe era a solução, não importava o que acontecesse, eu apoiaria. Claro, que depois de muito apanhar na vida, aprendi que pra sobreviver na selva, ser empático demais é um grave defeito.
Como sempre, escola. Meus problemas sempre se concentraram ali. Demorou um tempo pra me adaptar ao lugar novo, e claro, às novas companhias. No começo era mais do mesmo: apelidos toscos, surras matinais e claro, lanche roubado ou pisoteado por indivíduos sem o mínimo de preocupação com o quanto aquilo me afetava. Em uma ocasião, chegaram até dizer para minha mãe que eu era a estranha da turminha. Imagina só a vergonha para uma mãe guaxinim-conservadora saber que sua cria era a chacota da escola. Mas meus progenitores nunca se importaram muito. Eu era uma aluna exemplar com futuro promissor, isso era o importante. Se bem que meu pai sempre esteve ocupado demais para se preocupar com isso.
De maneira alguma sinto remorso deles. Acho que essa ausência em alguns momentos foi essencial para que eu me tornasse a melhor versão possível de mim. Sempre mais alto até a árvore mais alta, meu lema. Sem diálogo com minha prole e sem muitos amigos, aprendi a ser independente. Até que conheci ela.
Ao contrário dos outros que se aproximavam para dizer algum tipo de piada ou fazer alguma brincadeira de mal gosto, ela me olhou e encontrou algo que ninguém nunca tinha encontrado. Talvez por educação, ou por pena mesmo. Mas eu encontrei algo nela que nunca encontraria em ninguém. Pela primeira vez eu me entendi.
Ela olhou nos meus olhos e disse que eles eram lindos, e me fez um gesto delicado e sútil para segui-la. Me apresentou ao seus amigos, e disse que eu poderia ficar junto com eles sempre que quisesse. Pela primeira vez, eu senti que tinha sorte na vida. Não por ter encontrado um lugar no qual me sentisse aceita, mas sim por ter encontrado alguém que parecia ser feito para mim. Mas claro, eu talvez estivesse completamente enganada. Até os guaxinins mais expertos podem se confundir às vezes. Mas a dúvida e a possível certeza que se dividiam naquele momento eram muito fortes. Talvez e talvez. Não importava. Só o doce convite de sentir algo que nunca imaginava sentir na vida já era suficiente.