— Ei. — A garota e o amigo estavam sentados na escadaria do pátio da escola, os óculos escuros ficavam apoiados no nariz da menina. Ele responde com um simples “O quê?”. — Me fale sobre você.
— O que você não sabe sobre mim?
Os dois se conheciam há um tempo, desde um pouco antes do fundamental, além de serem vizinhos e os pais grandes amigos. — Bom, gosto de quadrinhos, jogos eletrônicos e passar meus domingos assistindo ao futebol enquanto almoço tarde.
O garoto pode ver a amiga franzir o cenho por detrás dos grandes óculos. — Não é esse o tipo de “contar sobre você” que eu quis dizer! Tudo que você falou eu sei! — Ela jogou a cabeça para trás e apoiou os cotovelos no degrau de cimento. — Quando foi a última vez que te fiz essa pergunta? No final da quinta série? Sei que é mais alto que eu porque quando eu vou tocar no seu ombro tenho que levantar bastante a mão. E que suas mãos são largas, já que quando você toca nas minhas costas ou me desvia de algum lugar eu sinto. E você é meio magrelo, o pessoal da sala diz que seu corpo não condiz com a força.
Ela fez uma pausa para ele compreender tudo e processar as informações. — Também te imagino bonito, muito bonito, tanto que várias garotas gostam de você.
Ele ficou um tanto envergonhado com a última frase, não gostava de tocar naquele assunto. Pensativo, olhou para o chão e suspirou, tentando achar as palavras certas. — Meu cabelo é marrom claro, mas acho que tá mais pra caramelo, meus olhos são castanhos bem escuros, e dizem que se você olhar de um jeito eles ficam negros...
— Uma vez você disse que cortou o cabelo bem curtinho porque sua mãe mando e preferia ele grande, como está agora?— O sorriso era um bocado inocente, tanto que nem parecia estar no ensino médio.
— Isso já faz um tempo.... Minha mãe disse que ele parecia um ninho de passarinho. Agora ele está até que grande de novo, passando um pouco da minha orelha, mas não parece porque ele é todo bagunçado. Daqui a pouco minha mãe me manda pro barbeiro. — Ele riu fraco, se não fosse sua melhor amiga nunca falaria essas coisas.
Os gritos dos alunos do fundamental incomodavam-nos, queriam sair dali, mas tinham combinado com o resto dos amigos para se encontrarem ali. Faltava quanto tempo para eles terminarem a prova?
Ela sorriu triste.
— Sabe, às vezes gosto de olhar para o céu, mesmo não tendo noção exata de lugar, horário ou clima... — o sorriso ficou com um ar de melancolia. Ficou um tempo calada antes de terminar a frase para achar as palavras certas, mas não conseguiu, era difícil pensar com tanta gritaria. Poderia falar depois da aula.
Depois que ela ficasse a aula inteira devaneando sobre o que deveria falar a ele.
— O que queria dizer àquela hora, Jasmine? — Ele guiava ela pelas ruas.
A garota comprimiu os lábios.
— Eu gosto de olhar para o céu e ver as estrelas imaginárias. Elas formam os rostos imaginários de você e dos outros, que estão perto da lua minguante e imaginária que você desenhou nas minhas costas, onde se encontram em uma paisagem imaginária.
Daqui a pouco a conversa acabaria, só mais alguns passos, já entraram no condomínio deles, as casas eram umas das últimas. Jasmine não queria chegar em casa, isso significaria que a conversa iria acabar e precisava falar isso.
— Gosto de imaginar as cores, também. Como seria o verde, vermelho, amarelo e azul. Mas nessas imaginações que tenho é só preto sobre preto.
Iria falar algo, embora não soubesse o que dizer.
Ele parou e deu um toque nas costas de Jasmine, ela tirou os óculos e limpou as lentes na camisa do uniforme. Era o ritual dos dois, ele tocaria nas costas dela para avisar que estava na porta da casa, ela tiraria e limparia os óculos. “Quem sabe, por um milagre, eu te veja depois que os tirar. Ou então eu só não enxergo porque estão sujos demais.” Falaria nas primeiras vezes.
— Eu quero saber, — recolocou-os no lugar e seguiu o caminho feito a ela para entrar na casa. — como você me vê?
E deixou a pergunta no ar.
— Como eu vejo a Jasmine? — Perguntou-se quando ela saiu de vista.
Ela não havia perguntado como ela era.