A garota que adentrou o vagão na estação Jabaquara sentou-se justamente a nossa frente. O intenso barulho do atrito entre trilhos e rodas durante o longo trajeto tornavam a viagem entediante. A ela, a música reproduzida por grande fones de ouvidos bastavam para ocupar a mente. Para nós, a presença feminina diante nossos olhos tornaram a viagem até mesmo prazerosa.
— Juvenal, meu amigo. Olha essa asiática! Torta de gostosa!
— Vai se foder, Beto. Descreva-a para que possa saber como ela é.
— Pô, Gavião. Você só me dá trabalho. Promete que não ficará de pau duro?
Juvenal é meu amigo há longa data. Crescemos juntos, enquanto brincávamos nas ruas do bairro correndo atrás de pneus velhos e bolas gastas. Ele tinha a visão mais privilegiada das redondezas, tanto que sempre foi quem colocou a linha no buraco da agulha para costuráramos os gomos coloridos na bola de futebol. Mas tal capacidade o acompanhou somente até aos sete anos de idade. Um acidente automotivo grave deixou a cegueira como sequela ao pequeno Olhos de Gavião.
Deve ser triste perder a visão. Digo isso, pois vi o Juvenal muito triste logo após o acidente. Assim como deve ser superável, pois, atualmente, vejo-o vivendo como antigamente: correndo atrás de suas metas. Atualmente, Juvenal cursa matemática na Universidade de São Paulo, onde se destaca pela sua facilidade em compreender todos aqueles assuntos reais e imaginários.
Muitos acham que ele sempre gostou da área de exatas, por isso se sobressai tanto na matemática. É compreensível esse pensamento, pois o Olhos de Gavião sempre foi muito curioso. Desmontava brinquedos, assistia a documentários, colocava dedo na tomada e comia formiga. Tinha, e continua tendo, fome por conhecimento. No entanto, aumentar o conhecimento sem a visão se torna, por vezes, numa tarefa árdua. Juvenal buscou por uma alternativa para suprir tal dificuldade e a encontrou na matemática. Eis, portanto, uma das motivações para tentar gabaritar a maioria das provas da faculdade.
Os garotos do bairro cresceram sob influência de machistas. Com o passar do tempo, todos nós começamos a sentir necessidade das curvas femininas. Mas o Gavião, quando podia ver, tinha como objetivo agarrar o pneu antes de ele se chocar contra a parede da casa da Dona Josefina. Mulheres eram só pessoas que implicavam com ele e não mereciam ser observadas. Hoje, Juvenal usa a matemática para poder acalmar seus hormônios. Ensinou geometria a todos seus amigos, os quais a utilizam para descrever as mulheres para ele.
— Suas pernas são finas. Deve ter uns vinte centímetros de diâmetro.
— Como adoro mulher de perna fina.
— Elas se abrem numa angulação de aproximadamente trinta graus. Lá na junção, dá para ver a buceta bem destaca pelas calças caldo Knorr.
— Nossa! Deve estar distraída e não percebeu que está se mostrando toda.
— Eu já não sei, Gavião. Por mim, ela quer se mostrar mesmo. Dá para ver nitidamente a buceta no centro do triângulo. Ela tem um belo capô de fusca, cara. E mulher que não quer se mostrar não se senta assim.
— Deve estar querendo se mostrar para mim. Só pode ser.
— Certamente, Juvenal. Nos seus sonhos, certamente.
— Continua, Roberto! Faltam os peitos.
— São pequenos e empinados. Um par de esferas elípticas com uns dez centímetros de diâmetro seria uma boa definição para você entender.
— Pequeno é seu conhecimento em geometria. Duas elipsoides, você quis dizer. E para uma asiática de pernas finas, são peitos lindos. Ela deve ter cintura fina inclusive.
— Tem mesmo. Parece que é formada por duas curvas côncavas com raio de curvatura de, sei lá, sete ou oito centímetros. Enfim, muito gostosa.
— Que tesão. Nossa! De se perder na imaginação. E você está ficando bom em descrever mulheres, Beto. Queria poder saber descrever o que estou sentido depois de “ver” essa mulher.
— Usa você também as malditas formas geométricas que me obriga a usar.
— Boa! É uma boa alternativa. Beto, meu nobre e caro amigo, estou tão excitado que estou com minha piroca ereta! Hahahaha!
— Caralho, Juvenal! Vá se foder! Você tinha me prometido. Nunca mais lhe descrevo mulher alguma.
Juvenal novamente quebra sua promessa. São poucos os quem ainda se prestam a descrever uma mulher a ele. Mas, bom amigo que sou, obrigo-me a passar por esses vexames no metrô lotado. A gostosa asiática acaba de se levantar para procurar um lugar mais digno. O barulho do metrô voltou a ser um tédio, mas não incomoda tanto quanto o constrangimento que Juvenal me faz passar, com suas gargalhadas exageradas e sua piroca ereta — piada besta.