Traição & culpa
Por mais consciente que fossemos a chama do pecado nos consumia nos cegando ao ponto de esquecermos a razão e o respeito pelas pessoas que amávamos.
Joseph e Miguel no rodeio, Dorothy sozinha, a chama do pecado nos queimava elevando adrenalina sem controle, a mil. “Te segura peão, se não mergulharás na lama do pecado...”.
Consciência pesava cobrando razão, Dorothy por mais que fosse mulher ajuizada e de princípios estava à mercê dos desejos carnais e muitas vezes de joelhos sobre grãos de milhos implorava ajuda ao céu para vencer a tentação...
Mas ao se reerguer e seguir até a janela avistava o curral, e lá estava eu, e a chama reacendia a nos consumir, nesse dia como se Lúcifer estivesse prenunciando a chegada da noite no breu impuro do pecado...
Minuano soprava assobiando colina a fora no frio congelante, à geada disfarçada de orvalho aos poucos deixava o verde branquinho.
Eu queria correr para longe, desejo imódico entranhado em minhas entranhas minava minhas forças me empurrando para o lado contrário ao encontro de Dorothy, e me obrigava a esperar todos dormirem.
Logo lampiões apagaram, em chama só o do girau a minha espera, e pelos fundos onde olhos não viam escondido pela capa da noite escalava a parede até chegar à pequena janela.
No girau Dorothy travava batalha andando de um lado ao outro, esmorecia fraquejando e recuperava razão retrucando pensamentos:
- Droga moleque logo amanhece; não se atreva; se subir ganha..., ganha sim, empurrão que te jogarás lá em baixo, moleque atrevido, sobe logo..., por favor, sejas forte e fujas de mim...
Estava escrito com lágrimas de sangue e por mais que a razão imperasse no respeito ao amigo irmão, a chama cegava a razão nos levando a traição.
Dorothy devia ao marido respeito e fidelidade de mulher honrada, a chama tragava minando suas forças a obrigando sucumbir diante do pecado.
Na janela lutei com todas as forças, esvaído em chama a me consumir bati toque, toque.
Ouvia seus passos lentos, sentia sua indecisão, respiração desordenada, próxima à janela ela parou, hesitou por instantes; eu rezava para ela ser forte e resistir, fracos caímos na tentação.
Abriu janela no golpe seco, no rosto uma lágrima escondida no sorriso maroto, no olhar implorava para que eu voltasse; sem forças eu a implorava para ficar, vencida sorriu e disse:
- Moleque! O que pensa estar fazendo aqui?
Corpos ardentes consumidos pela chama do pecado, palavras ditas não faziam sentido e não eram ouvidas pela razão, sem forças respondi:
- Sozinha, noite fria, talvez precise de calor humano, aqui estou, então, fico ou desço?
Buscou a última gota de suas forças, consumida pelo desejo que nos cegava sorriu esmorecida no melado da voz:
- Já que ta fique; por favor, não seja atrevido comigo!
Sorriso buliçoso no rosto se afastou; andou provocante até a cama, deitou sedutora, cobriu o corpo deixando só o olhar pecador a dizer “não vem?”.
Eu queria correr e finalizar, minhas pernas travaram nos passos lentos, o cheiro do pecado exalava odor infectando o pequeno quarto.
Corações acelerados batiam no mesmo compasso; tremíamos de ranger dentes, não era de frio...
Respiração ofegante, frente a frente, mãos unidas, olhares fixos um no outro insistindo na razão: “Não, não podemos, não devemos, não é justo para com quem amamos”.
Cientes do ato impuro e insano, quanto mais nós repetíamos a frase no olhar, mais nossos lábios se aproximavam.
Força descomunal alimentada por anos no toque e no olhar nos condenava a culpa a qual carregaríamos por todos os nossos dias.
Sentados na cama, corpos nus em um segundo de lucidez ela falou ao meu ouvido:
- Não podemos consumar...
Segurando minha cabeça entre seus seios deixou o corpo cair estirada na cama dando a mim o direito de torná-la mulher.
Loucura no desejo incontrolável de baixo da grossa coberta cobrindo nossos corpos e escondendo o pecado.
Cerrar dos dedos amassou lençol preparando o corpo para suportar dor e se entregar ao prazer, no forçar e no recuar do vai e vem o rompimento da virgindade nos gemidos de dor e prazer.
Não tínhamos direito de consumar; corpos ardentes, desejos em chamas, carinhos a forçaram virar de costas, trêmulos no abraço que nos prendia um ao outro não nos deixando separar.
Depois do prazer a culpa amarga da traição, assuntos sem heras nem beiras tentando desfazer clima pesado; beijos insaciáveis, segunda, terceira selaram de vez.
Antes do nascer do sol hora de dar no pé; rostos molhados por lágrimas, em prantos ela confessou:
- Minha consciência queria te jogar lá embaixo, meu corpo clamava por você; moleque, moleque, o que fizemos?
Agarrada ao meu pescoço, rostos colados, lágrimas se cruzavam, neblina escura do pecado ofuscava razão...
Queríamos concordar que não mais faríamos, em couro e coagidos pela chama do pecado que nos consumia falamos em uma só voz: “Só até ele voltar”.
Rimos de nós mesmos cientes do preço a pagar, extrapolamos alguns limites, não entendendo ela deixou rolar, depois brava me bateu forte aconchegando a cabeça no meu peito:
- Moleque, moleque, tu és mesmo atrevido... não foi ruim, mas não faremos mais, sou mulher de respeito!
Na noite seguinte, triste, sem jeito, batia, recuava a respeitando, sentia seu corpo contrair querendo virar; insisti minando suas forças até ela se dar por vencida resmungando baixinho:
- Com carinho, ontem foi bom, mas doeu!
Noite após noite, no último amanhecer que antecedia a chegada do marido, eu descia feliz da vida, se minha consciência pesava...
Consciência? Ah sim, aquela voz azucrinante nos forçando ouvirmos a razão... Pesava tanto que desci me sentido o maior dos garanhões, e passos à frente o velho João me esperava no virar da casa.
Eu tremia como vara verde ao ver o velho diante de mim; o velho sorriu, passou a mão em minha cabeça e disse:
- Se quer fazer parte da família, Pietra é a porta certa, pra isso tem que pedir a mão dela em casamento; então moleque, como vai ser?
Dorothy e eu tínhamos consciência de que tudo entre nós não era nada além de sexo, ela era apaixonada por Joseph, eu apaixonado era por Pietra.
A razão nos deixava claro que nossas vidas seguiriam seu curso normal ao lado da nossa escolha...
Mas ao mesmo tempo tínhamos consciência de que se não nos afastássemos um do outro, nós não conseguiríamos resistir à atração mórbida que como um imã nos puxava para o pecado, trairíamos sim na primeira oportunidade.
Ciente de que quando me casasse com Pietra, deveria partir para bem longe de Dorothy, respondi.
- Pedirei assim que for homem e ganhe meu sustento!
Temendo o pior o velho insistiu por minha decisão:
- Peça nesse fim de semana e oficializamos o vosso noivado, assim que for homem se case com minha filha; quanto ao sustento ganho um braço direito como filho, minha fazendinha garantirá o sustento para os dois.
Ciente de que não poderia continuar próximo de Dorothy ao velho respondi.
- Para ser homem honrado diante do senhor e homem honrado e fiel a minha amada esposa, preciso me afastar daqui...
O velho ciente não pediu explicação:
- Se assim for o melhor, filho, tem minha benção, conte com a nossa ajuda e com ajuda dos teus tios, seja feliz com minha filha Pietra e nos dê muitos netos.
Como se fosse dono da minha própria vida e pudesse decidir meu amanhã.
- Considere pedido feito, antes preciso conversa com minha futura esposa, se ela não der pra trás, sábado à noite o senhor pode oficializar!
João - Ela já pediu nossa benção e em tua garupa irá pra onde você for com a nossa benção!
Cesar - Então considere pedido feito; irei à frente garantir as condições básicas na cidade e voltarei para desposar minha amada.
Minha vida parecia resolvida, casamento, família e futuro incerto na cidade, não parecia tão ruim.
Porém o destino não havia escrito os meus próximos passos sem eu assumir as consequências das minhas ações com Dorothy.
De cabeça erguida e confiante no futuro certo ao lado de Pietra segui para fazendinha dos meus tios, lá eles me deram a notícia de eu que deveria voltar à cidade para junto dos meus pais.
Meus tios eram ótimos, assumiram as responsabilidades dos meus pais em todos os sentidos com muito carinho; mas não eram meus pais, por mais que eu os amasse, também amava meus pais e queria voltar a ter de volta minha família.
Mas não era o que eu queria naquele momento, consolado por minha tia:
- Vá guri, a porta sempre estará aberta pra ti, volte quando quiser!
No abraço forte as lágrimas de Carla molhavam minha camisa e as minhas lágrimas molhavam seu cabelo e eu tinha que partir.
Em outras palavras, não tinha escolha se não ir, e o motivo de minha partida estava claro além de Dorothy...
Semanas antes nas andanças à noite, Alazam e eu mais a égua Potiara sua paixão, agora adultos, esperavam momento certo para acasalar.
Eu sabia do ciúme que o dono tinha da égua, as más línguas diziam: se ele encontrasse um homem cavalgando na esposa não os mataria; mas se ele encontrasse um homem ou cavalo juntando a égua Potiara, mataria os dois.
Não era justo ver o sofrimento do pobre Alazam, na madruga entrei no pasto vizinho, montei Potiara e a entreguei ao seu amado; os dois sumiram campo a fora.
No amanhecer a levei de volta; o vizinho ao nos ver cuspia fogo pelas ventas, e correu apanhar espingarda.
Eu corri feito louco, Alazam cavalgou em minha direção curvando as patas com o focinho quase arrastando no chão entre minhas pernas me jogou na sua garupa e partimos em disparada, seguidos por Potiara.
Na chegada à fazenda, Alazam e Potiara saltaram sobre a cerca de arame farpado; na janela Joseph deduziu logo.
- Ah moleques, aprontaram tudo que tinham por direito na calada da noite!
Desceu do jeito que estava, montou no primeiro cavalo que viu, e foi ao encontro do vizinho na cancela; o vizinho esperava de espingarda engatilhada, no sentido real.
Joseph não pediu explicação foi logo botando preço, e a peso de ouro arrematou Potiara mais o potro que estava pra nascer.
O vizinho vendo que perdera a carreira se deu por vencido e respondeu a Joseph:
- Se nascer macho o negócio ta fechado, se nascer fêmea substituirá a mãe; ainda mato o garoto.
O jeito era voltar para cidade até o velho se acalmar; no dia seguinte Joseph me deu de leve um cascudo.
- Moleque, moleque, eu não sabia que meu cavalo campeão de corrida saltava tão bem, o que faço com vocês?
Sorriu e completou:
- Certo de que não me arrependo de um único centavo gasto, mas se Alazam não vencer a corrida no domingo, eu não ganhar o rodeio: to falido!
Alazam como se entendesse a situação ficou nas duas patas traseiras e relinchou como se dissesse, “Deixa comigo!”.
Domingo, primeira volta Alazam voava na pista abrindo vantagem de um corpo, administrou até a última volta deixando poeira de suas patas para os adversários vencendo com dois corpos de vantagem e Joseph não deixou por menos levantou sua quarta taça, a fazenda estava salva e eu tinha que partir.
Voltando ao momento, corri ao encontro de Pietra, contei o acontecido, ela jurou que me esperaria.
Sábado à noite festa animada, duas alianças baratas firmaram compromisso; na segunda pela manhã partir na esperança de voltar e me casar com Pietra e levá-la para cidade e seríamos felizes para sempre como Deus quisesse.