— A vida é relativa — sentenciou a moça, balançando os pés.
— A vida é relativa — concordou o homem, observando o movimento despreocupado do corpo dela.
Apoiando os braços na grade da ponte e sentados no chão frio, em plena madrugada (horário que, normalmente, seres humanos resolvidos estão adormecidos), encaravam a água parada lá embaixo.
— Como um... Redemoinho. De espinhos. E sangue.
— Entrar nele é fácil, manter o ritmo é impossível. — O homem resolveu fazer parte do looping filosófico.
Ela o encarou, querendo retrucar. Mas lembrou que tinha começado aquilo, então continuou:
— Mentes perturbadas, corações violentados, essências esmagadas...
— Sanidade não existe.
Aquilo foi claramente um complemento que não conseguiria elaborar sozinha.
— A vida é relativa. — Outro início da parte feminina da conversa. — Como um barulho infinito e incômodo. Uma mentira constante.
— Um brinquedo inútil e patético.
— Um game de alguém sem compaixão.
— Sobreviver é uma doença sem cura.
O jogo de palavras foi encerrado quando a ouvinte não encontrou resposta para aquilo, então deu um empurrão no braço do companheiro, como se quisesse dizer: "Não era para ter acabado assim". Nenhuma palavra foi dita, mas ele entendeu a mensagem e gargalhou.
— Vou começar de novo. — Ela sorriu também, fixando o olhar na água escura. — A vida é relativa como tentar caminhar firmemente
sem gravidade.
— Certo, mocinha. Continuo a brincadeira — cedeu o acompanhante. — A vida é relativa como se perder em uma multidão que transborda direções confusas e incertas. Como um espaço vazio, clamando por algo...
— Alguma coisa — interrompeu ela. — Qualquer coisa... Que faça sentido.
— Não tenho como prolongar isso.
— Eu tenho. — A declamante encarou o homem com profundidade. — No meio disso, você faz sentido.
Ele abriu a boca para dizer algo, mas fechou logo em seguida. Ela sorriu, satisfeita por ter feito um pronunciamento tão importante e tão explicativo a ponto de deixá-lo sem reações.
— Sou fodido demais para fazer sentido — respondeu ele, passando a mão na cabeça.
— Você faz todo o sentido pra mim — disse ela, colocando o dedo sobre os lábios para sinalizar silêncio.
Um claro sinal de que o texto oral finalmente acabava ali.