Nos céus, sentado na beira da piscina e olhando para meros mortais, o Diabo desvia seu olhar para os olhos de Deus e o provoca:
— Duvido você conseguir! — Deus escuta incrédulo seu amigo, que, novamente, diz aquelas palavras repentinamente. De tempos em tempos, o Diabo volta a atormentá-lo com desafios que envolvem os humanos e por isso está crente que é sobre isso que se trata.
— Cara, já lhe provei que faço o que quero. Foi assim com o dilúvio, por exemplo.
— O dilúvio foi apelação! Você acabou com o desafio da forma mais tosca possível. Quero ver você resolvendo um desafio de forma mais, digamos, elaborada.
— “Elaborada”... Você me desafia e quer que eu o faça do que jeito que você quer. Você é um mala, seu demônio dos infernos.
O Diabo esvazia o copo de whiskey de 2500 anos num gole e se ajeita na cadeira. Ele está incomodado com Deus que tenta fugir de mais um desafio e ainda o debocha. Nisso, uma anja passa por eles e o Diabo decide a chamar:
— Anja, minha filha, vem cá.
— Sim, Lulu — ao ouvir isso, Deus cai na gargalhada, pois sabe que Lúcifer não gosta de nenhum outro apelido que não os tradicionais.
— Que porra é essa de “Lulu”? Enfim, minha filha. Eu quero que você olhe para esse Deus corno e me diga uma coisa: é arregão ou não é?
A anja coloca o dedo na boca, inclina a cabeça e olha Deus dos pés à auréola. Deus, por sua vez, se sente incomodado por ser analisado por um ser inferior e que logo tecerá uma opinião sobre ele. A anja se manifesta:
— Deus porco?
O Diabo lança uma chama aos altos e Deus lança raios por todos os céus. O Diabo ficou indignado pela anja, certamente de descendência italiana, não ter entendido a pergunta e Deus, por ter sido insultado pelo que mais lhe ofende. No entanto, Diabo não desiste da ideia de conseguir uma opinião sobre Deus com uma anja e chama outra que também estava de passagem. Mas Deus o impede e lhe dá abertura para ser desafiado.
— Vamos parar com esses xingamentos em forma de opinião. O que você quer me desafiar?
— Ah! Então você não vai arregar?! Muito bom! Pois bem, duvido você matar cinco por cento das pessoas num único ato.
— Caralho, Diabo. Isso é muito fácil. É só mandar um raio na cabeça das pessoas e deu. Que desafio bem bosta.
— Acalma-se, caralho! Deixa-me terminar! Você deve matar todas essas pessoas num único ato e que envolva algo criado pelos humanos.
— Uma tomada?
— Que mané “tomada”?! Até porque quem inventou a tomada fui eu. Quero que você mate as pessoas num único ato que envolva os sete pecados capitais.
— Os sete pecados capitais? Eu nem sei quais são.
— Por isso estou lhe desafiando.
Uma veia ergueu-se na testa de Deus, devido à raiva que sente do Diabo por lhe provocar. O Diabo, por sua vez, gargalha internamente, pois sabe que tinha irritado Deus. Esse tipo de situação acontece com certa frequência, embora nem sempre Deus é o provocado. Mas nesse momento é ele e por isso ele decide aceitar o desafio.
— Está certo, sua praga demoníaca. Vou fazer o que você quer. E depois vou mandar todas as almas ao inferno lhe perturbar. Vou pegar só as piores.
— Hahahaha. Essa eu quero ver. Capaz de não morrer ninguém.
Deus olha novamente para o Diabo, mas agora de canto de olho. Ele está realmente irritado e está disposto a mostrar que o desafio é de fácil execução. Mas para tal, ele tem que descobrir quais são os sete pecados capitais, visto que ele nunca tinha ouvido deles. Para tal, acessa a internet e pesquisa sobre o assunto no Google. Sua cara de incrédulo retorna ao ler quais são os sete pecados capitais: gula, luxúria, avareza, ira, soberba, preguiça e inveja.
— Então é isso que os humanos dizem ser pecados? Que merda eles têm na cabeça?
— Você que os criou, você que os explique.
— Sim, sim. Eles têm a sua mãe na cabeça, Diabo sarnento. Mas sabe, gostei desse seu desafio. É algo até grotesco de se pensar, mas é um desafio e tanto.
— Duvido você conseguir.
— Coloca sua capa de chuva e venha comigo. Vamos ver isso da Terra.
— Avisa-me quando estiver tudo pronto.
— Já está tudo pronto. Você que é lesado e tampouco desafios difíceis consegue propor.
— Já? Hahaha. Essa eu quero ver.
Assim, Deus e Diabo descem a Terra e se acomodam no alto de uma colina. O Diabo serve-se de mais uma dose de whiskey e espera ansioso pelo começo do evento. Deus, por sua vez, acende um cachimbo, cruza as pernas e estala os dedos, o que dá início à execução do desafio.
Um forte estrondo ecoa nos céus, os quais são cobertos quase que instantaneamente por nuvens negras. O Diabo vendo isso acontecer, logo se irrita:
— Porra, novamente um dilúvio? Cadê a sua criatividade? Cadê os sete pecados?
— Por que não se cala, pobre Diabo, e acompanha o desenrolar do evento?
O Diabo ficou muito irritado, pois Deus novamente apela para algo simples. De repente, um grande estrondo se oriunda em seus pés. Sua cara de irritação logo é substituída por de espanto. Uma figura completamente nua, de silhueta feminina, aparece misteriosamente em sua frente.
— Mas que porra é essa?
— É o que levará cinco por cento das pessoas da Terra ao inferno.
O Diabo não consegue entender como uma única mulher nua pode fazer com que tantas pessoas morram. No entanto, os estrondos continuam a surgir por toda a parte e mulheres nuas a aparecer. O Diabo, então, decide olhar para os céus e vê que está chovendo mulheres. No entanto, ele não é o único. Várias pessoas pelo mundo o fazem também. Algumas gritam apavoradas com o suposto apocalipse, enquanto outras, de felicidade.
Ao verem todas aquelas mulheres que caem, inúmeros homens e mulheres de grande luxúria saem de suas casas igualmente nus. Viram uma chance de sexo fácil. Desses, os mais preguiçosos percebem que se deitarem no chão, alguma mulher iria chover em seu colo e já estaria acoplada. Assim, as ruas de milhares de cidades pelo planeta estavam tomadas de pênis eretos e línguas apontados aos céus.
Não obstante, um líquido doce começou a cair em formas de gotas. Era uma bebida maravilhosa, de fácil degustação. Assim, as pessoas gulosas as consumiam aos goles, pois bastava abrir a boca e deliciar aquela chuva maravilhosa. Embora, não percebessem, tal líquido doce era basicamente álcool etílico, o que rapidamente deixaria todos bêbados.
Assim, conforme passa o tempo, os movimentos começam a ficar lentos e a visão, fora de foco. No entanto, as pessoas são capazes de perceber que a fisionomia das mulheres que chovem está mudando. Algumas são extremamente sensuais, enquanto outras, completamente o oposto. Assim, as pessoas são contempladas com mulheres diferentes, o que causa o afloramento da soberba em algumas pessoas e da inveja em outras.
As pessoas tomadas pela inveja e pela embriaguez se irritam com as pessoas mais afortunadas e começam a ataca-las. Para tal, usam pedaços de paus, motosserras, espadas e machados. A ideia é eliminar a concorrência e ter todas as mulheres sensuais para si. No entanto, as pessoas atacadas decidem revidar e atacam com a mesma violência.
Uma grande matança pelas ruas de várias cidades do mundo acontece no momento. Vários governantes decidiram intervir, mas somente conseguiram conter a confusão com o uso de metralhadoras. Em outros locais, o governo demorou para agir e as pessoas se mataram por si só.
Os jornais pelo mundo inteiro anunciam o fenômeno. As câmeras mostram corpos decepados nas ruas, mulheres nuas completamente desorientadas e poças de um líquido verde. Os cientistas tentam explicar o fenômeno como uma forte tempestade capaz de arrancar as vestimentas das mulheres e leva-las, junto com barris de bebidas, pelos céus devido a força dos ventos. Os religiosos diziam que é o um prenúncio do apocalipse. O mundo está em caos completo.
Enquanto isso, os olhos arregalados e a boca aberta indicam como o Diabo está horrorizado com o que acaba de acontecer. Ele olha para Deus e indaga:
— O que você acabou de fazer?
— Acabei de abrir a planilha das pessoas vivas na terra e quero confirmar quantas pessoas morreram.
— Planilha? É nisso que você está pensando agora?
— E no que mais seria? Você vai perder, novamente, o desafio, hahaha.
Deus gargalha e o Diabo só aumenta seu estado de choque. Ele jamais pensou que Deus poderia ser tão imprevisível e fazer algo tão grotesco para ganhar um simples desafio.
— Diabo, olhe aqui: trezentos e oitenta e dois milhões e quinhentos e quarenta mil e setecentos e doze mortes. Ou seja, exatos cinco por cento da população morta por aquilo que eles criaram. Você perdeu o desafio! Chupa!
— Você é doente, Deus.
— Hehehe. Olha, eu não vou discordar. E caso você não seja doente, se tornará um com todas essas almas pecaminosas em seu pequeno inferno.
O Diabo olha para trás e vê uma fila imensa de almas que esperam ser conduzidas ao inferno. Ele, então, decide respirar fundo e se acalmar, pois sabia que isso poderia acontecer quando Deus disse que o faria. Assim, se despede de Deus ao mostrar o dedo médio a ele. Deus coloca uns óculos escuro, traga seu cachimbo e sorri com a situação catastrófica que o Diabo se encontra. Assim, os dois se separam e voltam para seus recintos. Assim, enquanto os deuses estiverem atarefados com o resultado do desafio, a humanidade demorará para ver o apocalipse de fato chegar.