Dê-me a lua
ou a felicidade
ou qualquer outra coisa
Dê-me o amor
dê-me aquilo que imploro
aquilo que jamais terei
minha falta e minha doença
mal dos céus
flagelo da terra
impossível lamentando sobre outro impossível
Dê-me a lua
dê-me a vida
dê-me aquilo que fará as coisas serem como devem
dê-me aquilo pelo qual rastejo
pelo qual faço os outros lamentarem
minha força e minha anemia
meu grito e meu júbilo
meu tratado logicamente sem sentidos
meu punhal banhado em desprezos
minha voz verminal
minha alma ulcerada
Dê-me a possibilidade
o céu se pondo ao leste
a beleza sendo escarnecida
o riso em cada tragédia
os suspiros que não mais cessarão
Dê-me a liberdade
dê-me uma imortalidade
faça com que não morram
com que sejam felizes
com que percebam e aprendam
ou que tudo acabe aqui
faça com que louvem o repulsivo
que apedrejem o divino
que me esfolem
que me enforquem
que me estripem como devem ou não fazer
Dê-me a lua
dê-me a tempestade
dê-me a revelação das piores coisas
o descobrimento de mim mesmo
faça meu coração ser profundo em todo mal
faça meu coração entender todo o bem
e não o tocar
e não o suportar
e não idolatrar
mas esmagá-lo em sua própria miséria
aniquilar-se em minha própria perfídia
Dê-me a lua
e dê-me ainda algo mais
dê-me o que mereço
um rio de ódio e de rancor
dê-me a espada
a lança ou a flecha
o veneno ou a tortura
dê-me aquilo que me iguala
aquilo que é horror
aquilo que me sustenta e devora
dê-me o que não posso mais não possuir
um último segundo
um último reflexo
último desejo
faça-me mais
ou faça-me morrer
e sentir que estou morrendo