Domingos são horríveis. É o anúncio de uma semana cansativa. É preciso adiantar tudo. O corpo não responde, a mente está distante e os olhos entreabertos não conseguem se manterem atentos aos martírios a que estranhos me obrigam. Eu divago como se não conhecesse o caminho de minha própria casa. Eu sei o que fazer e até como fazer, só não consigo, não encontro explicações, meus movimentos não são motivados por verbos autoexplicativos, eles só acontecem de modo meio descontrolável. Eu sei a maneira de barrá-los - só que eu deixo acontecer por algum instinto irracional, irresponsável, intraduzível.
O pôr do sol deteriora a situação mais profundamente. A luz alaranjada, que no meio da semana representa alento, carrega uma melancolia indecifrável. Preciso tomar um ar, mas o horizonte continua sendo uma parede embolorada, os pernilongos são os meus únicos acompanhantes, o som distante de uma música horrível me irrita, um calor de merda me sufoca.
Escrevo trabalhos que poucos lerão e muitos querem ter a oportunidade de fazer. Sou um privilegiado. Eu gosto do resultado, sei do meu privilégio, sei da nobreza de tal ocupação. Mas os prazos... eles são desprezíveis. Por que não podemos encontrar nosso próprio tempo? São outros os que decidem o que tenho que fazer com a porra do meu tempo livre. Tempo livre? Chama isso de tempo livre? Se em cada segundo eu tenho que me preocupar em produzir uma página a mais, a corrigir uma prova, a planejar uma aula, a estudar um texto a mais, chama isso de tempo livre?
O corpo continua a não responder. O bloco de notas está aberto e não há como fechá-lo. Minha fraqueza momentânea se traduz em palavras incontroláveis, uma fonte que jorra inutilidades irrefreáveis, um delírio espasmódico que não cessa e não se transforma em soluções.
A falta de soluções é o que faz a arte?
Eu continuo porque, por trás desse expresso materialismo que me mascará, há um idealismo convicto que me domina: ele reside nas palavras que virão. Porque as respostas, de modo geral, vem em palavras, e eu continuo em busca de respostas que podem ser encontradas em palavras que não prevejo, em palavras que brotam, que aparecem de sopetão e me causam epifanias. A motivação da arte sempre se encontra no idealismo, num sonho meio insensato que pode vir a se realizar.
Mas os domingos matam-me pouco, confesso. A matéria desse dia nefasto é pouco afeito a idealismos positivos. Ele escancara o absurdo a que me submeto, acaba aprofundando essa impressão, transformando-a em algo de ilusoriamente desastroso. Creio que aumenta o real tamanho dos problemas.
Se a força motora depender unicamente de fatores externos, serei incapaz de controlar as barreiras incapacitantes. A vida não pergunta sobre a condição de realizar os deveres. Sem explicações, só é preciso que se faça. Quem não consegue passar por cima desse impedimento é engolido vorazmente. A vida adulta é um centro de treinamento pra fazer coisas indejesáveis. Bom, pelo menos à maioria, pelo menos a quem não pode escolher o seu destino sem que entraves materiais pesem decisivamente.
O pôr do sol se esvai e me deixa espalhado no sofá. O tempo continua passando, embora eu pareça com mais tempo do que há poucos minutos atrás, quando o brilho alaranjado iluminava a casa. As estrelas brilham lá fora, a bilhões e bilhões de quilômetros, a cidade está silenciosa, os carros não passam na rua em respeito à minha estagnação, latidos ressoam ao longe, não muito perto pra não me incomodar. O vácuo infinito invade a casa.
Não faz sentido levantar agora.
Somos feitos cobaias das ilusões positivas e das negativas? Há algo de concreto em nossas certezas?