Cabe a mim, cronista que sou, contar os causos ocorridos nesta pequena cidade. Fazer isso se torna uma necessidade especialmente quando penso que também é importante valorizar a vida e as histórias dos anônimos, as narrativas populares sem importância, o alvoroço misterioso, difuso e interessante dos sem-nomes. Daí surge sabedorias despretensiosas e interessantes.
Enfim, algo acontecera, algo que ninguém decifrou até agora. Bizarro.
As conversas dessa lúgubre cidadezinha de apenas cinquenta mil habitantes tinham temas sempre imprevisíveis. Mas houve um fato em especial — ocorrido várias vezes — que foi conversado em todas as fofocas e desabafos e trocas de ideia naquela semana. Falava-se, nesse momento, daquele desconhecido motoqueiro louco cuja abordagem era repentina, causando sustos tão grandes que as vítimas não viam escapatória. Depois da sua rápida aparição, o barbudo atirava um pacotezinho qualquer nas pessoas sozinhas e desprevenidas — o objeto resvalava no corpo das pessoas, se revelando uma carta. Depois, contudo, o vulto acelerava sua moto e se diluía nas ruas mal iluminadas e desérticas. O conteúdo dessas cartas? Poemas. Qualquer das vítimas, se assim as posso considerar, se surpreendia.
Um fulano qualquer, que só vive aos porres num bar de esquina, me afirmou que a cor da pele do rosto do motoqueiro era verde — só que não é tão razoável acreditar nos testemunhos dessas pessoas. Mas também houve indivíduos sensatos que o descreveram como um bicho noturno e estranho, um homem de barbas longas e de olhos que se escondiam em sua sobrancelha sombria. Ah, e se veste com pijama. Pijama listrado; verde e branco. Aparecia apenas em noites de lua nova, e não é possível saber se isso acontecia para criar algum padrão estranho ou se, por algum motivo que também não deixa de ser curioso, não conseguia aparecer em outra fase lunar.
Apesar de suas medonhas aparições noturnas, houve quem se sentisse lisonjeado com os inspirados poemas. Perdoavam o susto.
— O que estava escrito em sua carta? — perguntei a uma vítima do louco.
— Eu me surpreendi muito quando recebi, porque nunca ninguém havia escrito algo pra mim. Pelo jeito ele sabia onde eu estava na terça e também na quarta. Na quinta esbarrei com ele. Ele viu as coisas que comprei, os sorrisos que dei e até pra quem sorri.
Ele sabia a personalidade de seus alvos, seus olhares, seus modos, pessoas próximas com as quais conviviam, com um olhar tão lírico e analítico que parecia um versista profissional, demonstrando em sua arte algo muito diferente da maneira assustadora com que abordava as pessoas. Sua caligrafia sempre mudava — porém, não a febril força dos seus versos. Alguns dizem que ele apenas entregava os poemas, que mais de uma pessoa escrevia-os. Só que quem leu com mais atenção percebeu que todos os escritos tinham um estilo parecido e individual.
Mesmo numa cidade quase sem assaltos ou roubos registrados, todos ficavam tensos quando ouviam qualquer rugir de um motor no sereno da madrugada. Aparecia e reaparecia sem que ninguém o delatasse — muitos não por falta de vontade, e sim de pistas. Sua atuação era tão insuspeita que chegava a se passar um ano e alguns meses sem notícias de novos esbarrões; assim, lentamente, todos já esqueciam e não havia mais graça em falar sobre o caso.
As madrugadas eram silenciosas. Só havia grilos e cigarras para preencherem os vazios das ruas sombrias. E era lá que ele mais gostava de agir. A imprevisibilidade era sua marca. Aparecia em todos os lugares, só que sempre pela madrugada. As suas ações sempre eram pontuais e não demoravam muito a acabar, após algum surto. Parecia simplemente se cansar. Era o fechar de cortinas de um macabro e poético espetáculo.
Quando as pessoas começavam a perder o medo, seu desaparecimento era inevitável.
Semana passada, após dois anos de esquecimento, simplesmente relegado a um futuro olvido, uma pessoa escutou um estranho rugir moto na escuridão. Ele se aproximou, se aproximou, mas não o alcançou. Afobada, a pessoa apertou os passos. Virou uma esquina, tentou encontrar outro destino, a perseguição era estonteante, descompassada. Ouvia-se risadas e mais risadas, pareciam preenchidas de desespero.
Mas aquela brincadeira da moto tinha um propósito. A pessoa foi atingida com força por uma caixinha decorada. Estonteada, a pessoa ouviu um gargalhar sinistro e estridente... Ele estava de volta.