O câncer é como a neve: inconstante e imprevisível. Há dias onde sua força é semelhante a uma pena, outros é como uma tempestade que sempre deixa um rastro de infelicidade e um vazio que nada poderá preencher, um buraco no seu coração onde a pessoa que se foi costumava ficar. E a única consequência deste câncer é uma excruciante ferida no âmago, que mesmo se passando anos e anos, jamais irá se curar.
Do lado de fora da janela, as ruas e árvores estavam cobertas por uma densa camada de neve que entrava em contraste com as luzes coloridas típicas do Natal. Havia algumas crianças que brincavam e corriam com seus familiares; observando-os, senti uma pontada de inveja. Eu daria tudo, até a minha própria vida em troca de passar nem que fosse apenas um dia sobre a neve, acompanhado pela minha mãe.
Todavia, isto é impossível neste ano, novamente.
Recordo-me que há cinco anos, neste mesmo dia, eu acreditava no milagre que o Natal trazia. Todos os nossos parentes esqueciam momentaneamente suas desavenças para celebrarem juntos a magia desta data especial. Minha mãe passava a véspera natalina cozinhando e preparando a ceia, e a noite ela dedicava seu tempo exclusivamente para mim. Andávamos de mãos dadas sob a lua, observando as árvores brilhantes e correndo como duas crianças. Era tudo tão mágico, tão alegre e tão feliz.
Antes de o maldito câncer aparecer e destruir nossas vidas.
Minha mãe costumava sempre dizer que apesar de sabermos que no final a morte sempre vence, nós nunca estamos preparados para dizer adeus. No começo eu não entendia o significado dessas palavras, afinal, se desde o princípio temos a consciência que nada dura para sempre, podemos ao passar dos anos irmos nos preparando, não é mesmo?! Errado. Agora sei o que ela quis dizer com tudo isso.
Olho novamente pela janela e vejo as pessoas da casa ao lado se anteciparem e distribuírem os presentes. Ao meu lado, minha mãe dormia tranquilamente, sem resquícios de dores, com os batimentos cardíacos fracos. Não pedi nenhum presente de Natal este ano para meus familiares, mas pedi um presente a Deus: que a minha mãe pudesse passar o Natal novamente conosco.
Os médicos haviam alertado que ela talvez não acordasse nesse fim de ano, depois de entrar em coma devido as demasiadas dores causadas pela cirurgia no coração, há sete meses. No entanto, ainda acredito na magia do Natal e que milagres podem acontecer. Eu tenho fé que depois de tanto tempo poderei ouvir a tão esperada suave voz da minha mãe, ouvir que tudo está e ficará bem, ter a chance de dar um abraço bem apertado e dizer as palavras que estão sufocadas desde maio.
A única coisa que eu queria era ter a minha vida de volta, ver a minha mãe saudável, sorridente – aqueles sorrisos que iluminava todos os meus dias –, e tê-la novamente comigo. Queria correr com ela, brincar na neve durante horas e horas e ter a certeza de que nada poderia estragar nossa felicidade.
– Lucas...
Os rojões anunciavam que o Natal havia chegado, e o quarto estava sendo iluminado pelas luzes causadas pelos fogos de artifícios, me permitindo ver claramente aqueles nostálgicos olhos azuis me observando, esboçando um sorriso fraco. Não pude evitar as lágrimas que escorriam pelos meus olhos. Sorri e segurei firmemente a mão que estava estendida em minha direção.
– Fique comigo, mãe, só mais uma noite...