A música que vibra no interior do salão parece ser alegre. Digo isso, pois vejo que, a cada batida, as pessoas parecem irradiar uma energia muito contagiante, a qual as faz cantar, dançar e andar. Um exemplo disso? Olha só aquela menina dos cabelos longos então. Enquanto cantarola, de forma tímida, ela coloca uma madeixa atrás de orelha e olha firmemente para aquele menino de camisa estampada. Ele, por sua vez, entende o sinal da menina e, assim, dela se aproxima a passos lentos e sorriso aberto. Sim, é um bom exemplo da energia que se emana aqui na festa; eles parecem estar muito felizes. Sim, felizes... “Felicidade”: queria entender esse sentimento. Será que ele surge e se propaga por conta da melodia da música? Ou será que é pelos movimentos delicados das mãos e dos pés? Ou será, ainda, que é por conta da cor dos cabelos e do sorriso deles? Nossa, assim fico confusa. São tantas as perguntas complexas, que é difícil encontrar respostas sem quebrar a cabeça.
Para facilitar, acredito ser esperto eliminar o que certamente não são as respostas corretas. Portanto, a cor dos fios de cabelos e dos dentes do sorriso não podem ser, pois, afinal, é tudo igual; é tudo cinza. Sim, o motivo não pode ser a cor. Será? Sim, não há como ser diferente. Olha para as luzes que piscam no teto, para a publicidade da cerveja que patrocina a festa, para as minhas mãos que seguram o copo vazio: é tudo cinza. Cinza, cinza e cinza. Será mesmo? Será que há algo além do cinza? Será que minha visão não me sacaneia? Putz, agora estou confusa. Maldito René Descartes com sua filosofia “penso, logo existo” que certamente está me influenciando a duvidar dos meus sentidos. Mas devo eu levar a sério esse matemático metido a pensador?
Caramba, não sei mais nada. De repente não seria uma má ideia aceitar essa hipótese surreal, de que existe uma variedade de cores além dessa cor morta que toma conta de tudo, que não possui energia alguma e que faz qualquer coisa parecer insignificante. Espera. Essa cor causa realmente todos esses efeitos? Será que ela, na verdade, não traz equilíbrio, justiça e igualdade, pois faz com que ninguém se destaque e impede que ninguém seja mais que ninguém? Mas seria isso verdade? Aqueles dois parecem tão mais felizes que eu... Não vejo justiça nisso.
Acho que deveria deixar isso de lado e tentar aproveitar a festa. Até porque, mesmo eu não sabendo a fonte de felicidade da menina que agora coloca os dois braços sobre os ombros do menino que a segura firme pela cintura, eu acho, sem sombra de dúvidas, que consigo ser feliz nessa noite... cinza. Ah! Que sacanagem! Como deixar de lado se tudo que está diante aos meus olhos é cinza? Como vou ser feliz se não sei como fazê-lo? Devo eu encher esse copo com mais vodka? Ou devo erguer o vestido e repetir os passos do Michael Jackson? São tantas as possibilidades, as quais são patéticas ou geniais, que nãos sei como agir.
O fato que isso me incomoda. Ah, e como me incomoda ver tudo cinza e não entender o que se passar ao meu arredor! Queria poder estar com aquele sorriso no rosto, trocar olhares e caricias, me entregar a alguém ou a música! Mas estou aqui parada, com os pés fixos que não sabem se vão à pista de dança ou ao bar. Isso é muito frustrante! Por que não consigo agir?! Caramba, isso me faz me perguntar se realmente quero agir. Eu quero agir? Ah! Isso vai me matar!
Isso é muito injusto. Já tenho que conviver com a tragédia existencial de ver tudo cinza, o que faz me martirizar em busca de uma luz que indique a existência de outras cores nesse mundo — ou no mundo das ideias de Platão — que meus olhos não conseguem desvendar. Isso já é muita coisa, não acham?! Mas, como se não bastasse, agora comecei a duvidar do que eu quero. Como pode se ter dúvidas do que se quer? Isso não existe! Ou existe? Não, não existe! Ou existe?
Quer saber? Vou fechar meus olhos, me concentrar na música e deixar meus pés livres para fazer o que quiserem. Olhos fechados, mente aberta e notas musicais adentrando minha cabeça. Isso! Vai dar certo! Vou esquecer minhas indagações sobre a cor cinza e o que eu realmente quero. Já sei, vou ao bar e pegar uma vodka. Mas qual será a que mais me agradará? Todos os rótulos são cinzas e não vou conseguir lembrar qual me agradou anteriormente. Será que se eu pedir “a de sempre” vai adiantar? Ah... Deixa quieto. Vou para a pista dançar agora. É dois e dois? Ou é livre e basta pular? Caramba, não sei como dançar. Aquele guia de danças era muito confuso por ser tudo ilustrado em cinza. Espera, eu falei cinza? Eu estive em dúvida entra vodka ou dança? Meu Deus! Estou no mesmo ponto que antes! A única diferença é que pareço uma louca por estar parada, encostada na parede e de olhos fechados. Caramba, acho que não é assim que resolvo minha confusão mental. Será?
Cara, chega! Por hoje basta! Vou para casa, tomar um copo de água e deitar. Quem sabe, assim, eu encontre respostas e vigor para acabar com essas indecisões e dúvidas. Por enquanto, deixarei o DJ escolher a trilha sonora do casal que agora se beija e parece emanar uma aura colorida como um arco-íris. “Arco-íris”: que porra é essa? Você ouviu isso? Credo! Definitivamente, estou ficando louca.