Deixe-me contar uma história de Natal
Ocorrida aqui, em solo nacional:
O palco de tudo, pelo que dizem
Foi em Capela, lá em Sergipe,
Em um vilarejo humilde de povo pacato
Muito religioso e bem reservado.
Lá morava um padre, um idoso sem igual:
Todo mundo conhecia o velho Nicolau.
Um servo de Deus, calmo e bondoso,
Muito respeitado e querido por todos
Por cuidar de crianças abandonadas
Quando mais jovem, sem cobrar nada.
Certa noite, um forasteiro apareceu
Bem trajado, roupa escura feito breu.
Ficou alguns dias, fez amizades
Até que um dia visitou ao padre
Disse que seu nome era Jesus
Em homenagem ao sacrifício na cruz
O velho padre a princípio o estranhou
Contudo, o sentimento logo passou
E se tornou em peculiar familiaridade
Também descartada pela diferença de idade;
Nicolau nunca saíra daquela localidade,
Logo não fazia sentido nutrir tais amenidades
Restando então somente a cordialidade
Entre o forasteiro e o velho padre.
Jesus então, na véspera de Natal,
Visitou a igreja após a missa final
Sem que os habitantes tivessem visto
Pois queria tratar com o padre em sigilo:
"Senhor, o passado me atormenta,
Permita-me confessar à sós sem reprimenda."
O sacerdote não lhe conseguiu negar
Um pedido tão fervoroso e singular
Deixou que entrasse, fechou as portas,
Foi ao confessionário atrás de respostas.
"Padre, nunca fui de me confessar,
Mas tenho algo muito hediondo para lhe contar:
Há muitos anos, havia um menino
Um pobre infeliz que vagava sem destino
Até que um homem bom o encontrou,
O nutriu, o vestiu, o educou
E a tudo isso a criança era grata
Mas, não sabia que não seria de graça:
Uma noite, no finalzinho do ano,
O homem que o estava criando,
Decidiu emsinar-lhe coisas mais adultas
Secretas, odiosas e sujas
No sigilo do silêncio e da escuridão
Homem e criança entraram em comunhão
Não como um filho e um pai
E sim como todo casal faz..."
Nessa hora, o padre pirrageou
E seu olhar em muito se arregalou.
O horror lhe tomava a face enrugada
Enquanto sua mente em frenesi trabalhava
E o jovem de preto que confessava,
Em tom assustador sussurara:
"Não foram minhas mãos inocentes
Que deixaram seu pau tão contente?
Sim, padre. O menino que desapareceu
Depois daquela merda também envelheceu!
Com ódio, vergonha e nojo se ocultou
E como o senhor, um monstro se tornou
Ressurgindo das trevas para mais trevas!
Eu sou sua vítima! Aquele que espera
Que guarde segredo sobre a confissão...
Quantas vezes devo rezar pela sua remissão?"
Um longo silêncio tomou o lugar
Conforme Nicolau começou a soluçar
Com o suor e as lágrimas escorrendo
Sem crer que aquilo estava acontecendo.
"Ora, por que é que está chorando?
Só me diga: desde quando
O boquete de uma criança
Deixou de ser boa lembrança?"
O velho sacerdote sujou a batina
Com um generoso jato de urina;
Ao mesmo tempo, seu corpo tremia...
Sentiu que a musculatura enrijecia:
O porquê, ele nunca saberia
Mas, a resposta estava na parafina
Das velas que o rapaz trocara
Às escondidas durante a madrugada
Tentou, com uma estranha respiração,
Fazer talvez sua própria extrema unção.
O homem do outro lado da tela
Parecia imune aos efeitos da vela
Pois rompeu o silêncio de modo feroz
Não mais ocultando a fúria em sua voz:
"É sério, padre? Vai orar para quê?
Se ninguém me ouviu, por quê então a você?!
Sabe o que eu mais pensava
Quando esquecer eu tentava
Enquanto cada criança comemorava
Com sua inocência imaculada
Toda a magia perpetuada
Por esta maldita data?
Se o Noel e Krampus
Das crianças cuidavam,
Quem aos adultos retribuía
Pelo que fizeram no ano que se ia?
Com certeza não é o seu deus
Pois naquela noite, o senhor e eu
Fomos solenemente ignorados:
Tanto meu suplício quanto seu pecado,
Fui tão bonzinho! Qual foi meu presente?
O senhor lembra? Um jato de sêmen!
Então, farei como naquela noite de bosta:
Do Inferno eu te darei uma amostra!"
E ao vociferar tudo aquilo em sucessão,
O homem de preto levantou-se do chão
Ignorando os clamores de perdão
Que o padre fazia para ele em vão.
Arrombou a porta do confessonário
E iniciou a punição do sexagenário.
Quando os fiéis chegaram ao local
Muitos desmaiaram ou passaram mal:
Havia sangue e pedaços em cada vitral
Vísceras enfeitando o pinheiro artificial
Velas negras a iluminar
Membros arrancados sobre o altar
Uma língua fazia as vezes da óstia
O cálice repleto de rubro à mostra
E aos pés do crucifixo cerimonial
(Que estava invertido, por sinal)
A cabeça sem olhos do Padre Nicolau
Em cuja boca jazia seu saco escrotal
E um bilhete fincado na pirâmide nasal
Escrito com fezes, bile estomacal,
Sangue coagulado e malevolência pura:
"Feliz Natal, pedófilo filho da puta!".
E foi assim que começou a lenda
Do Jesus Maldito de Capela
Que todo Natal se vinga dos pervertidos
Que transformam anjos em seres destruídos...