Sou um guardião antigo, tão velho quanto o mundo, minha origem está nos primeiros dias, os dias de glória, quando os deuses andavam entre os mortais. E pelos deuses fui escolhido como o melhor de minha raça, o guerreiro mais valoroso, selecionado para o mais importante dos trabalhos.
No coração da floresta de Lëngann a mais altiva e poderosa árvore se ergue. Mãe de todas as florestas, suas folhas são douradas, sua madeira é prata reluzente, suas raízes perfuram fundo a terra até atingirem o coração do mundo e seus galhos se elevam até as nuvens nas alturas. A grandiosa Árvore das Eras, ou como os elfos a chamam, Leidrain.
Os frutos dessa árvore são joias preciosas, cobiçadas por todos os povos. Tais frutos, chamados de Drui’n, concedem cura e grande poder a quem deles se alimentar. Os deuses me deram como tarefa proteger tais frutos e não permitir que nenhum ser que não fosse digno pudesse sequer tocar tais frutos.
A mim foi concedida a honra de me alimentar dos Drui’ns, e somente deles tiro meu sustento. Desde os primórdios a Leidrain me dá sua energia e minha essência foi meticulosamente alterada pela glória destes frutos. Não sou mais humano, ou elfo, ou anão. Sou apenas o guardião da antiga árvore, que nunca irá abandonar seu posto.
Já vi com estes meus olhos cansados muitas eras passarem, deuses novos surgirem, reis se elevarem e caírem, povos irem e virem, sem nunca abandonar meu lugar neste mundo. Já tive incontáveis nomes, entre eles Hoi’n Dëan, aquele que mata; Azzo Sarif, guardião invencível, Ladrak Enem, demônio azul. Todos os povos se dirigem a mim com respeito e temor, e meu poder cresce à medida que as Drui’ns alimentam meu corpo.
Incontáveis inimigos tentaram roubar os frutos, mas a malícia e a ganância em seus corações os tornavam impuros de simplesmente estarem diante da gloriosa árvore. E de forma incansável os abati, como moscas. A impiedade faz parte de meu trabalho e revelei aos meus adversários meu lado mais obscuro. Com o passar dos anos, passei a assumir uma aparência monstruosa, assustadora, para que os mais covardes desistissem de suas ambições, e me poupassem de manchar este santo lugar com sangue impuro.
Alguns de meus inimigos se mostravam mais fortes, outros eram patéticos e foram poucas as vezes que entreguei um fruto. Mas sim, houveram ocasiões em que um guerreiro digno cruzou espadas comigo, poderoso em seu coração, firme em sua determinação, cujos propósitos julguei serem justos.
Mas com o passar das eras, os dignos se tornam mais escassos e a escória se tornou mais numerosa. Naquela tarde, o tempo estava se fechando, uma chuva forte vinha do norte. As folhas iluminavam tudo abaixo da Leidrain, uma luz dourada e opulenta, agradável de se olhar.
Senti meus inimigos vindo ao longe, o cheiro de sangue em suas espadas me causando repulsa, enquanto as ambições em seus corações se elevavam como uma música cantada por um bardo embriagado. Me empoleirei em um galho mais baixo, uma figura sombria e assustadora, afim de causar uma terrível primeira impressão.
Pude notar que um elfo os guiava. Senti a magia que dele emanava e isso me confundiu. Que negócios haveriam de ter elfos com homens em dias como aqueles? Mas nada me restava além de esperar.
Quando eles finalmente chegaram a clareira, o horror tomou conta de seus corações assim que puseram seus olhos sobre mim. Naquela forma, minha pele era negra como piche, minhas pernas e braços eram muito finos e compridos, me dando uma aparência grotesca. Meu tronco era redondo e cheio de protuberâncias, a cabeça era grande como a de um sapo, achatada e deformada, com uma grande bocarra cheia de dentes e olhos estreitos e sinistros. A foice que usava como arma, um toque final de mau agouro.
Pude escutar o elfo sussurrando “Nichiöi Anrak”, mais um dos diversos nomes que seu povo me dera. Observei o grupo de homens com atenção. Não pareciam grande coisa. Um deles estava ferido no ombro, uma flecha envenenada das crianças dos pântanos provavelmente. Estava sendo carregado pelo maior da comitiva, um homem grande e corpulento, com queixo quadrado e nariz quebrado. Trazia uma pesada espada de duas mãos presa à cintura.
Ao seu lado, havia um homem loiro com cara de raposa, trazia uma aljava com apenas algumas flechas em suas costas, parecia esgotado e com medo da morte. Havia também um mais velho, com barba e cabelos grisalhos, o corpo meio rotundo, mas olhos atentos e cheios de sabedoria e experiência. O último, um jovem cheio de determinação, mas também repleto de desesperança, esgotado pela longa jornada, tinha boa aparência e cabelos pretos, bagunçado e sujos. Um príncipe, provavelmente.
Seus corações eram livros abertos diante de mim. O pobre rapaz com o ferimento a flecha chamava-se Ralphan, era amigo de infância do príncipe. Nunca fora grandioso em coisa alguma e sempre vivera na sombra do talento de seu amigo. Era apaixonado por Naila, a mais bela da corte, mas ela é claro, só tinha olhos para o príncipe. Havia prometido a si mesmo que ao voltar daquela jornada se declararia a ela, mesmo que só conseguisse um não.
A flecha o atingira a três dias, e desde então sua vida se tornou um tormento, nada que comia parava em seu estômago e estava sempre enjoado. Sentia-se cada dia mais fraco, e sua esperança estava depositada inteiramente nos lendários frutos da árvore. Trazia consigo uma besta, uma arma feita cuidadosamente por um excelente armeiro, cheia de entalhes em ouro e prata, mas Ralphan nem sequer fora capaz de usá-la. Pobre tolo, morreria ali mesmo, o veneno cultivado naqueles pântanos era algo cruel e fatal.
Com minha voz que mais se parecia um rugido gutural, ordenei-os que saíssem, mas ao invés disso se aprontaram para a batalha. Seus corações estremeceram, mas mesmo assim a coragem não os abandonou.
Desci de meu poleiro e esperei pela investida de meus inimigos. O elfo, como imaginei, seria apenas o guia e se afastou dos demais. O maior deles investiu, segurando sua pesada espada com as duas mãos. O aço relampejou e desceu veloz em um golpe que poderia me partir em dois.
Me movi para o lado e o pesado golpe impactou contra o chão, levantando folhas e terra com violência. Levantei minha enorme foice e o ataquei, obrigando-o a se esquivar de forma desajeitada. Ataquei-o novamente e dessa vez o cavaleiro quase não foi capaz de evitar o golpe. Quando estava prestes a atacar uma terceira vez, uma flecha cravou em meu peito. O cavaleiro girou seu corpo e colocou toda sua força em um corte horizontal, mas saltei além de seu alcance. Ainda em pleno ar, girei e ataquei com a foice, que se chocou contra a placa peitoral e arremessou o cavaleiro longe.
Mal atingi o chão e outra flecha veio zunindo pelo ar, porém desta tive tempo de me esquivar. Mas o movimento me deixou totalmente desarmado, abrindo uma enorme brecha para o mais velho, que surgiu veloz e certeiro, com um movimento elegante fez o aço de sua espada beijar meu braço esquerdo, decepando-o acima do cotovelo.
Sangue escuro encheu o ar. Desferi um chute no peito do velho, jogando-o para longe com violência e logo outra flecha precisou ser evitada. O príncipe então surgiu em meu campo de visão, me atacando. Bloqueei sua espada com o cabo de minha arma e desferi um golpe em arco que por pouco não decapitou o jovem.
Os pesados passos do cavaleiro corpulento voltando ao combate me alertaram. Ele vinha a passos largos, brandindo sua espada acima de sua cabeça. Atacou-me pelas costas, mas atingiu apenas o chão, minhas longas pernas me permitiram saltar alto, acima de sua cabeça. Desferi um golpe veloz, a lâmina descrevendo um amplo arco no ar e se cravando diretamente na junta da armadura do cavaleiro, ferindo seu ombro direito.
Seu sangue quente fumegou na foice ainda encravada em seu corpo. Com um forte puxão libertei minha arma e derrubei-o pesadamente contra o chão. Seu nome era Endrio, filho do general das tropas de Vallenin, o reino de onde o grupo estava vindo. Tendo sido treinado desde criança, era um dos espadachins mais fortes do reino, sendo um grande amigo do jovem príncipe que ali se encontrava.
Tudo o que buscava era a força necessária para continuar o legado de sua família, pois seu pai era um gigantesco senhor da guerra e imensas expectativas eram nutridas a seu respeito. Aquela jornada era uma boa forma de começar a construir sua reputação e para ajudar seu amigo aceitaria morrer.
Ia arrancar sua cabeça, mas várias flechas me impediram, me obrigando a recuar. Fui atacado pelo velho e pelo príncipe. Os dois eram velozes e não fui capaz de defender todos os golpes. Senti uma das espadas sendo enterradas em minha barriga, e outra rasgando meu peito. Antes que pudesse saltar, uma flecha cravou em minha testa.
Meu corpo desabou e o êxito tomou o coração do grupo. Exultante, o príncipe ergueu sua espada e soltou um grito de desespero e alegria. Endrio por sua vez caminhou até meu corpo inerte e nele cravou sua espada, como se quisesse se certificar de minha morte.
Tolos. As Drui’ns me tornaram algo próximo a um deus e apenas um corpo não resumiria minha existência. Pensei em algo bem criativo e macabro para minha próxima forma. Das entranhas do corpo morto, comecei a sair, destroçando a forma antiga. Uma larva gigante, com o corpo anelídeo e comprido, as patas eram grandes e arqueadas, afiadas como lâminas e a cabeça era pequena, com uma boca estranha e olhos vermelhos.
Saltei sobre Endrio, que mal teve tempo de reagir. Minhas patas atravessaram a armadura como se fossem papel e o envolvi em um abraço sangrento. E mordi seu rosto. O cavaleiro gritava, enquanto tentava se debater inutilmente. Senti flechas perfurarem meu corpo, mas não o soltei.
Enquanto devorava seu rosto, notei que a amizade que Endrio nutria pelo príncipe era realmente grande. Chegava a ser uma admiração. Ele seguiria aquele jovem até o inferno se fosse preciso.
Soltei o corpo ensanguentado e irrompi veloz atrás do arqueiro que não parava de me acertar. Ironicamente o mesmo ficou sem flechas. Os outros dois não puderam acompanhar minha velocidade e num instante alcancei o indefeso arqueiro. Investi contra ele, mas o maldito saltou sobre mim, enterrando uma adaga em meu olho direito. Desnorteado, tentei parar minha investida, rolando pela grama. Mas ainda estava face a face com ele. Ataquei-o, mas meu alvo era esguio e veloz e evitou minha investida. Tentei atingi-lo com minhas patas, mas falhei nisso também.
Enquanto me concentrava no arqueiro, senti o príncipe cair em minhas costas e cravar sua espada em meu corpo. Arqueei de dor tentando a todo custo derrubar o jovem, que se segurou firme e rasgou ainda mais meu corpo. Me agitei com violência e o nobre foi arremessado pelo chão. Investi, cego pela raiva, saltando contra ele.
Em pleno ar, pude ver o velho tomando a frente do príncipe caído e levantar sua espada. Meu corpo foi de encontro a arma mortífera, que perfurou facilmente minha carne. O velho fez um movimento forte e abriu por completo minha barriga, despejando contra o chão entranhas e sangue fumegante. Novamente meu corpo caiu sem vida.
O mais velho se chamava Soijirou. Era o mestre de armas da família real, responsável por ensiná-los a empunhar uma espada. Acompanhara o jovem príncipe desde os primeiros passos oscilante que dera quando criança e via nele algo além de um discipulo, ou um senhor. Soijirou nunca teve filhos, era um homem infértil para sua própria vergonha. Já havia lutado incontáveis batalhas e suas mãos já estavam cansadas de tantas mortes e de tanto sofrimento.
O velho ficou coberto de sangue e mais uma vez eles acreditaram que haviam vencido. Dei a eles mais alguns momentos de júbilo, antes de lhes mostrar a terrível verdade. Com horror eles assistiram as costas da larva se abrir e um novo inimigo se levantar. Dessa vez, assumi minha verdadeira forma, a que não usava há muitas eras. Bela e serena, talvez a minha aparência mais frágil.
Alto, de pele branca como a neve, orelhas pontudas como as de um elfo, cabelos longos e amarelo pálido, braços fortes e corpo esguio. Sai nu e coberto do sangue azul da antiga forma. Caminhei diante dos olhares horrorizados do grupo e fui até a minha foice, apanhando-a.
Ataquei, um arco amplo e ágil, forte o bastante para matar os três, mas veloz o bastante para apenas atingir o ar. Os três se separaram, fui em direção ao arqueiro, dessa vez um ataque do qual ele não pode se esquivar.
Um corte cruel separou seu corpo em dois. Pobre Leisle. Era um mercenário e trabalhava para o príncipe porque o nobre pagava muito bem. Não tinha grandes sonhos, queria apenas ter ouro o suficiente para encher um baú, encontrar uma mulher para mimar e ser mimado e viver o resto de seus dias sem ter nenhum problema. Nunca acreditou que aquela jornada era uma boa ideia, e agora que a vida lhe escapava tinha certeza absoluta desse fato.
Quando seu corpo caiu, partido ao meio a fúria se acendeu no nobre príncipe, que irrompeu em um ataque cego. Era ágil e habilidoso e tive dificuldades em conter seus ataques. Logo o velho Soijirou se juntou a ele.
Não conseguia fazer nada além de me defender daquela tempestade de aço. Mas quando os dois hesitaram, por um simples segundo, encontrei espaço para um contra-ataque. A foice zuniu descrevendo novamente um arco que iria atingir em cheio o peito do velho, mas sua espada entrou no caminho. A força do golpe o arremessou longe.
Príncipe Kedhran me atacou, feroz e veloz, golpes que quase não pude bloquear. Em meio a tanto golpes girei minha foice e atingi sua coxa, pela junta da armadura. O príncipe gritou de dor e caiu de joelhos. Mas antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, Soijirou irrompeu em uma tempestade de ataques.
Recuei, mas o velho não me deu muito espaço, fazendo chover golpes sobre mim. Ele não poderia permitir que o garoto morresse. Não poderia, de forma alguma. Se pudesse desejar alguma coisa dos deuses, ele desejaria que Kedhran voltasse para casa em segurança, mesmo que isso lhe custasse a vida.
Um golpe errado, talvez por cansaço, talvez por nervosismo, ou quem sabe excesso de confiança o fez cortar apenas o vento, deixando sua guarda totalmente aberta. Em segundos minha lâmina foi de encontro ao pescoço de Soijirou, apenas raspando, mas cortando fatalmente a carne pálida.
O ar se encheu de sangue e o velho caiu. Kedhran mancou desesperado em sua direção. Naquele momento esqueceu-se de mim por completo. Colocou a cabeça do velho em seu colo, enquanto tentava conter o sangramento. Chorava em desespero ao ver que não seria possível.
Soijirou sentia arrependimento. Sua alma já se desprendia de seu corpo, um fino fio de prata que subia até os céus. Sentia-se arrependido, não por estar morrendo, mas por não ter me matado. Sua alma vislumbrou o jovem príncipe uma última vez. Como havia crescido aquele rapaz! Afinal, havia tido um filho. Um bom e honrado filho.
Com os olhos marejados e a coxa ferida, o príncipe pôs toda sua coragem em sua espada, erguendo-a acima de sua cabeça. Seus olhos relampejavam agressividade, preparando-se para terminar com a luta naquele momento. Em um instante, encurtou a distância entre nós e a espada zuni veloz e mortífera. Um golpe heroico, digno das lendas e canções, entretanto facilmente evitável. Esquivei-me para o lado, a espada nada atingiu além do vento e em seguida foi a vez da minha foice dançar.
Veloz como um raio, o aço traspassou sua armadura, com toda minha força posta naquele golpe, cortando facilmente a carne abaixo dela. Um rasgo fatal e em diagonal, começando na base do abdômen e terminando no ombro esquerdo, o sangue jorrou abundante enquanto o príncipe caia contra o chão cheio de folhas.
O rei de Vallenin adoeceu repentinamente, uma terrível enfermidade que o enchera de dores e o aprisionara em sua própria cama. Todos os curandeiros do reino foram convocados, mas nenhum deles obteve sucesso em sequer descobrir que enfermidade era aquela. Foi preciso um mago estrangeiro para que finalmente se descobrisse que se tratava de uma maldição. Uma poderosa maldição.
Existiam poucos poderes neste mundo fortes o bastante para desfazê-la, segundo o mago. Os Drui’ns, frutos da lendária Leidrain, a Árvore das Eras, sem sombra de dúvidas teriam o poder para salvar o rei.
Kedhran nunca se dera bem com seu pai. O rei tinha temperamento forte e gosto por batalhas, enquanto o jovem preferia a leitura e a diplomacia. Muitas foram as ocasiões em que os dois discordaram em brigas ferozes e cheias de insultos. Já não falava com seu pai há quase um ano quando adoeceu.
Agora, só restava a Kedhran o arrependimento. Não odiava seu pai, não de verdade e não suportava a ideia que as coisas entre eles terminariam daquela forma. Aquela jornada nada mais era do que uma tentativa desesperada de ter uma segunda chance, de fazer as coisas certas. Mas agora que até Soijirou caíra, sentia o quão egoísta havia sido. Arrastara-os para a morte, por capricho.
Mas que pelo menos suas mortes não fossem em vão.
Com espanto, vi o príncipe se erguer. O sangue não parava de jorrar e seus olhos pareciam sem vida. Como aquilo era possível? Debilmente ele levantou sua espada, pronto para mais um golpe. E de seu corpo emanou uma grandiosidade que a muito não sentia. Ali diante de mim estava um grande guerreiro, não havia dúvidas.
Sua mente já havia se desfeito em dores, mas enquanto ainda respirasse, lutaria.
Atacou com força e velocidade, um corte vertical que me partiria ao meio se fosse mais veloz. Bloqueei com o cabo de minha foice. E a espada simplesmente atravessou minha defesa, cortando minha arma como se fosse papel. A surpresa e o espanto tomaram conta de minha mente, e vi lentamente a arma mortal chegando cada vez mais perto.
A espada parou em pleno ar, a centímetros de me atingir. As forças de Kedhran haviam se esgotado antes do seu objetivo final, e espada e cavaleiro tombaram, pondo um final aquele combate. Olhei para seu corpo caído e para minha arma dilacerada, tentando entender que havia acontecido.
A surpresa me fez baixar a guarda. Nem sequer ouvi a flecha cortando o ar. O moribundo Ralphan usara sua besta pela primeira vez naquela jornada, e tivera uma precisão quase que divina, cravando uma flecha em meu pescoço. Caí agonizando, me engasgando em meu próprio sangue. Estava morrendo novamente. Ralphan soltou sua arma, e desejou ter forças para pelo menos se sentir feliz.
Talvez aquela não fosse a minha verdadeira forma. Não me lembro mais o que fui antes de me tornar o guardião. Não me lembro de meu povo, nem de minha vida antes de me devotar a Leidrain. As folhas caídas no chão começaram a se levantar e a girar em torno de meu corpo, enquanto um fino fio de fumaça subia dele. Tudo se juntou e se misturou, formando um corpo com a forma de um homem.
Caminhei até a árvore e apanhei um fruto. Retirei três sementes, a primeira fiz com que Kedhran engolisse, a segunda foi ao inesperado vencedor. Assustado, Ralphan apanhou a pequena semente e a engoliu, incerto do que isso o faria.
— Você deve melhorar até o final do dia – a minha voz dessa vez era calma e serena – Quanto ao seu amigo, deve levar mais um tempo para se recuperar, mas com descanso e bons cuidados, ficará bem. Os elfos devem ajuda-los. Entregue isso ao seu rei – estendi a ele a terceira semente – Será o suficiente para libertá-lo da maldição.
Os olhos do garoto se encheram de lágrimas. O elfo que os guiara até ali já apanhava o corpo do príncipe, e tomava o caminho para fora da clareira. Reunindo todas as suas forças, Ralphan se levantou, me encarando com orgulho.
— Parabéns Ralphan – senti uma certa diversão ao dizer isso – Sinto lhe dizer que seus companheiros caídos pertencem a Leidrain agora, deve deixa-los para trás. E devem partir agora mesmo!
Com dificuldades, Ralphan foi logo atrás do elfo que carregava seu amigo, e não demorou para que os três deixassem a clareira.
Verdadeiramente eu não havia sido derrotado, facilmente poderia terminar com a vida dos dois em um piscar de olhos. Mas não é a força que torna digno ou merecedor o aventureiro que busca os frutos. É sua determinação. Determinação para continuar a lutar, mesmo à beira da morte. A determinação de Kedhran fora explosiva e me impactara profundamente. Mas a de Ralphan fora a maior, silenciosa e letal.
Olhei para os guerreiros que haviam caído. Daria a eles enterros dignos. E a minha preciosa arma, haveria de reforjá-la mais bela e mais letal, pois o meu trabalho ainda continuaria. Enquanto as eras ainda existirem.