Havia delirado com uma auréola feita de pequenos anjos;
eles dançavam e cantavam sobre minha cabeça,
entrelaçavam os pensamentos,
diziam-me o que fazer
ou desfazer,
o que adorar em suas pequenas mãos:
sustentavam-me além daquilo que não possuía sustentação,
davam-me a segurança daquilo que eu não possuía.
Eles me amavam.
Ouvia-os,
via-os,
sentia sua presença a guardar uma coisa qualquer,
de qualquer valor.
Era como uma coroa:
eles me protegiam;
com eles poderia ser rei,
poderia ser mais.
Suas asinhas me elevavam para o sonho
daquilo que um dia acreditei ter sido.
Era tudo tão belo ali…
Mas era apenas delírio.
…
As asas de meus anjos sempre foram cicatrizes.
A única canção que deles saía era o som de seus pulmões de peste:
eles não estavam mortos,
assim como eu não estou,
mas rastejavam acima de mim,
como se implorando pelo fim,
os olhos caídos,
as barriguinhas estouradas,
fetos que Deus abortou enquanto sodomizava suas criações mais belas,
depois ressuscitados para ornar o trono de minha carcaça.
…
Lágrimas e gemidos no vale das esperas.
Eles se uniam a mim,
eles se desfaziam sobre mim.
Com seus corpos malformados,
reflexos de meu corpo,
mas não só,
eles oravam daquele poço de saudades.
Ao menos poderiam nos ter permitido delirar por mais tempo.