Um sopro fugaz e tênue guiou as folhas secas, quase cobertas pela límpida neve, em direção ao horizonte, desaparecendo até alcançar o chão.
O mesmo sopro colidiu e acariciou os poros de sua pele avermelhada. Retomou rapidamente sua consciência. Sua visão estava turva, ainda desnorteada. Podia sentir o frio corroer seu corpo lentamente. O sol ameno e apaziguante quase não possuía força, ignorado pelo inverno abrasador e torturante.
Piscou uma, duas, cinco vezes. O balouçar moroso dos galhos esbranquiçados podia ser visto de soslaio. Aos poucos, sua propriocepção indicava uma familiaridade com aquele local.
Mordeu o lábio inferior, erguendo o tronco lentamente.
Suas pequenas mãos estavam trêmulas, arroxeadas com tamanha exposição à neve. Pôde sentir sua barriga revirar internamente e enxergar o próprio ar que respirava. Um turbilhão de sensações veio à tona, exceto uma em questão; Sentiu-se fraca, impotente e covarde.
O vento;
Era tudo que conseguia ouvir. Suas lágrimas já estavam congeladas, secas. Como poderia continuar? Qual seria a sensação de estar viva novamente? Sentir-se viva.
Desenhos e desfechos foram feitos em sua mente nos últimos dias, engasgada na multidão. A incessante busca pelo sentido e pela conclusão do ecoar de sua alma, o mais profundo e insólito. A razão por existir, por pertencer àquele lugar. Completar-se como ser, transformando a dor massacrante em algo, em um alcance.
Mas isso vazava. Fluía. Inibia qualquer razão, limitava o mais íntegro pensamento.
Ouviu o sonido agonizante dos pássaros invernais, observando-a espalhados entre os galhos e os troncos dos pinheiros mais próximos. Podia sentir o afago dos pássaros, a súplica e a esperança que tentavam exalar, alcançando o âmago de seu corpo.
Percebeu que todos fugiam do inferno. As pessoas, os animais, a maioria dos pássaros; até mesmo a própria natureza evitava o álgido sentimento capaz de congelar o cerne de toda e qualquer alma.
Porém os pássaros invernais eram os únicos que não fugiam. Cantarolavam felizes pelo ar gélido. Ela sentiu o apelo dos bichos. Sentiu que pertencia ao inverno, mas que ele não a aceitava, regurgitando todas suas tentativas de fazer parte daquele chão.
Era movida pelo frio, movida pela dor, pela tragédia, pelo sangue e pelo vento.
Suas lágrimas já estavam congeladas quando decidiu caminhar despida pelas árvores que a circundavam. Sentiu a neve fofa engolir seus pés frágeis, impedindo-a de seguir seu caminho.
Mas ela foi contra o desejo da natureza, das árvores nuas. Tudo que precisava era lembrar como é sentir viva. E, assim, deitou-se no rio congelado. O pássaro negro invernal gorjeou em um tom fúnebre e melancólico. Uma despedida.
O sopro do vento atingiu seus cabelos castanhos. Caminhou em direção ao seu mais profundo e belo sonho.