Buscando o mar, destino de todo rio.
Cilícios...martírio...talvez assim, com os flagelos poderia esquecer das dores maiores e silenciosas.
Chorou...pediu aos anjos...acreditou.
Nunca existira dor igual aquela, pensou.
Nunca existira necessidade de tantas dores
e novamente chorou.
Pediu aos céus, e houve silencio.
Um silencio tao profundo e tão vazio que o espanto fez o choro secar.
Era a certeza de que nada é em vão, absolutamente nada acontece sem explicação.
Não mais cilícios, nem martírios....
Apenas aquele grande silencio das montanhas dignas e duras, marcadas por flagelos do tempo lhe dizendo:
A dor te fortaleceu.
Busque o rio.
Ele te contará lendas, você escutará os lamentos da eternidade contida nos velhos cascos de uma canoa.
Resoluta , me entreguei aos conselhos das montanhas.
O frio era tanto dentro dela quanto do lado de fora.
A avalanche a qualquer hora poderia chegar, estava arriscado ficar ali.
Sem forças, com medo, levantou e correu...
Não buscou olhar para tras, nem pensou em parar para respirar o ar que já lhe faltava.
Simplismente a lei da tal sobrevivência se instalou na alma daquela que perdida no meio do nada estava.
Foi assim que descobriu a força que existia dentro dela.
Foi assim que mesmo agora, com o sol se extinguindo no horizonte, existia ainda arrepios pela sua pele.
E uma avalanche como aquela que acabara de enfrentar junto a montanha de neve, agora na sua alma existia também.
Porém, mais do que tudo, sentiu-se tão forte , e partiu mesmo sabendo dos perigos que iria enfrentar.
Ela se chamou de canoa, uma simbologia , um enigma, nem mesmo ela sabe.
Só que, canoa, navegando ela foi e conheceu lugares inimagináveis dentro dela própria.
Ela foi o remo e a mão.
Foi força e coragem nas tempestades.
Desabou e quebrou nas correntezas.
Se alinhou em lagos serenos.
Se abasteceu, alargou e se transformou.
Mas canoa que era, obstinada em encontrar o mar,
serenou pouco a pouco, remos e braços descansaram no fundo de sua alma cansada.
E conheceu o rio, que lhe ensinaria o mágico da existência, através de lendas e misteriosos encontros lúdicos ao luar.
As mãos tocaram o fio daquela nascente de água pura.
Tão inocente em suas mãos, tão clara e límpida,
mas ela não conseguia retê-la ...corria pelos seus dedos e morria em suas mãos.
Enquanto outro filete nascia novamente.
Os olhos correram em busca do que estava a pouco suavemente molhando seus dedos,
e percebeu que ao longe o rio abraçava aquele pedaço de nascente com um amor e carinho que queria ir junto.
Mesmo assim, viu o rio entregar aquela que fora sua amante por alguns momentos
ao seu derradeiro destino que era o mar.
Carinhosamente percebeu um dos primeiros ensinamentos que o rio lhe doava, o amor sem amarras, sem posse.
caminhou lentamente observando a nascente pura se entregando ao rio e ele a entregando por entre pedras ao destino que toda nascente pertence.
cansada , deitou-se a beira do rio, escutando sua melodia calma
As margens eram verdes de um tom tão desigual que sucumbir ao sono era por demais acolhedor.
Deitou-se escutando arrulhos, chiados, animais talvez se escondendo daquele ser diferente.
As narinas se dilatavam e profundamente conseguiu sentir o odor exalado pela floresta.
Era puro, uma inocência que não se comparava a nada que a lembrasse outros lugares.
Um silêncio com sons...riu de tal pensamento...silêncio era silêncio, mas ali não.
Percebeu que o silêncio dali era o caminhar das almas.
Fechou os olhos e viu toda a claridade da ancestralidade que corria livre
Conseguiu entender o silêncio diferente daquela floresta mágica.
Todos os seus sentidos ficaram aguçados como se animal fosse.
Compreendeu a inutilidade de ser humana aonde não havia outras formas que não fossem de total unicidade com o todo.
Agradeceu por ter sido por instantes una com aquela beleza virgem, daquele verde de tons desiguais.
Respeitosamente desatracou sua canoa e margeando aquela que seria pra sempre sua morada interior, com amor foi-se.