CENA ÚNICA: INT. CIRCO – NOITE.
A plateia se encontra em total silêncio. Luzes apagadas, exceto pelo refletor central. Uma luz azul rodeia o picadeiro conforme o apresentador vai surgindo da escuridão para o último ato.
APRESENTADOR: Senhoras e senhores, meu nome é Felipe, e essa história que irei lhes contar não é sobre contos de fadas, tampouco é uma lenda. Alguns dizem que o seu aparecimento foi como um passe de mágica: da mesma forma misteriosa que apareceu, ela sumiu.
Pausa seguido de silêncio. Plumas brancas começam a cair do teto conforme o narrador se dirige à plateia e volta a falar.
FELIPE (APRESENTADOR): Os únicos resquícios de sua existência eram as plumas de sua roupa que preenchiam o picadeiro e a emoção presente em cada olhar do público. Mesmo após a sua partida, Melissa continuou flutuando nas lembranças de seus admiradores. Foi na ponta das sapatilhas desgastadas que ela viveu e realizou seu sonho, rodopiando e girando cada vez mais como um cata-vento em sua corda bamba, sem nunca perder o equilíbrio, sem se deixar cair no chão.
As luzes se apagam por cinco segundos. O apresentador some e o refletor central destaca a entrada do mágico que se encontra na lateral. Ele abre a roupa fina e dele voam alguns pombos que derrubam fitas rosas na plateia.
MÁGICO: Mas o que mais intrigava na bailarina eram somente as sapatilhas velhas. Melissa não se importava se o laço estava remendado ou se existiam algumas falhas; assim como o seu desejo de flutuar ela jamais abdicaria do calçado. Era uma promessa feita há tempos quando a ganhou de sua falecida mãe; uma herança, sua única ligação. O fio que a sustentava no ar enquanto o espetáculo prosseguia.
Outra pausa. As luzes do picadeiro se apagaram transformando toda a magia em escuridão. E como se todos acordassem de um sonho os refletores foram acesos revelando um vazio picadeiro. Todos os personagens saem. Uma única luz é acessa direcionada ao narrador que vai até o centro.
NARRADOR: Até hoje não se sabe se o espetáculo não havia passado de um sonho. Parecia uma ilusão. Parecia tudo real. O som dos tambores parecia estar em toda parte, assim como o medo ao encarar tão de perto o temido leão. Mas nada havia se comparado ao êxtase que predominava ao assistir a pequena bailarina em seu espetáculo flutuante.
Uma bailarina começa a dançar. Grand jetés são feitos ao redor do narrador para finalizar na posição tendu.
NARRADOR: Para ela era tudo por um triz. Era por um triz que o público não via Melissa cair; era por um triz que não a via flutuar. Foi em um passe de mágica que o circo apareceu, e foi dessa mesma forma que misteriosamente sumiu, deixando para trás uma sensação de leveza e a imagem de uma estrela que jamais se apagaria.
A única luz acessa é apagada permanentemente. O espetáculo acaba.