Ele e eu partilhamos o mesmo apartamento. O sofá foi ele quem comprou, a geladeira (rosa) foi obra minha e eu sei bem que ele a odeia. Decoramos a porta dela com fotos que tiramos nas nossas viagens e encontros. No sofá colocamos almofadas com várias formas, cores e texturas; Temos uma que trouxe da China e outra que ele trouxe do Japão quando foi visitar a família. A TV foi comprada a meias e é suficientemente grande para conseguirmos ler as legendas dos doramas que eu tanto gosto, – sim, ele vê doramas comigo, mas prefere fazer pouco deles que realmente o assistir.
Ele comprou a mesa da sala numa loja nova, eu arranjei as cadeiras numa feira qualquer. Pintei-as na varanda que agora é decorada com potes e vasos com plantas e ervas de cozinha. Na casa de banho há lugar para a minha maquilhagem e partilhamos o mesmo copo com as nossas escovas de dentes. Os nossos quartos ficam frente a frente. A porta do dele é azul, a minha é rosa. Tirei a maçaneta aborrecida e coloquei um panda na dele. A minha tem uma tartaruga verde com olhinhos pequeninos. Quando abrimos a porta pela manhã enfrentamos o dia com um pesadelo do outro lado. Quando nos vamos deitar sorrimos e desejamos sonhos felizes.
Quando trago homens a casa para passar a noite, ele está pronto pela manhã, com uma grande caneca de café na mão e o sorriso maroto nos lábios enquanto obriga o pobre moço a fazer a caminhada da vergonha num silêncio constrangedor. Quando ele traz mulheres eu escondo-me no quarto e apenas pela manhã, quando elas não se querem ir embora é que apareço, faço um escândalo e grito que o meu amor por ele não merece estas coisas. Depois de elas saírem preocupadas e envergonhadas damos uma boa risada, ele prepara o café e eu as panquecas.
Os meus livros são romances, os deles são policiais, vamos misturando-os nas prateleiras que juntos construímos e pintamos de várias cores. – menos rosa, ele disse que não queria mais essa cor na casa, já bastava a minha porta, a geladeira e o fogão –, quando faz frio no inverno, vemos juntos filmes, principalmente comédias românticas, eu arranjo as cobertas que tricotei quando ainda andava na faculdade, ele prepara os chocolates quentes e as bolachas de aveia que avó trouxe na ultima visita ao apartamento.
Não somos um casal, eu não o desejo sexualmente, ele não me deseja sexualmente. – Bem, talvez haja dias que possamos pensar nisso, mas não dura que uns segundos e logo pensamos noutras coisas. O meu amor por ele é incondicional, vivemos melhor assim, ele com as suas mulheres, eu com os meus homens. Quando chego tarde do trabalho ele presenteia-me com pizza encomendada, coca-cola gelada e uma sobremesa que ele comprou no mercado antes de voltar para casa. Quando ele volta depois de passar um temporada fora em trabalho, ofereço-lhe a melhor comida caseira que os meus dotes e a mãe dele me ensinaram.
Espero que sejamos felizes assim por muitos anos. Compramos dois peixinhos e um aquário esta semana. Amanhã é o aniversário dele e vou a meio da pintura que prometi-me entregar-lhe. Hoje ele não vai vir para casa sozinho. Conheceu uma jovem no seu trabalho e acredito que desta vez seja amor para valer. Enquanto eu aqui solteira continuo. Não, eu não o desejo de outra maneira, a nossa amizade é especial, assim como a decoração da nossa casa. Onde pandas e tartarugas convivem mutuamente, mais dois peixinhos dourados e um casal de melhores amigos estranho.