Caminhando no meio da multidão, chego à conclusão de que não consigo me acostumar com sua ausência.
Em tudo eu vejo sua presença, mas nunca sua essência. Seu espírito subiu aos céus e deixou apenas uma casca vazia que me segue desde nossa casa, até os confins do mundo.
Os cheiros ao redor são homogêneos no meu olfato, pois nenhuma fragrância é a sua. Lembro-me que você perguntava se poderia a alma ter algum odor. Eu não sei sobre as demais almas, mas a sua sempre teve cheiro de lar.
Aquela brincadeira que fazíamos de andar pela cidade e deixar algo para trás, tornou-se insuportável, pois, sem você dizendo que queria deixar bem longe aquela torta de limão siciliano que comeu mais cedo, na última vez que essas ruas puderam desfrutar de sua presença, não faz sentido passar por elas. Você diria para mim deixar para trás essa situação e eu não saberia como fazer isso.
Como se deixa para trás uma história como a nossa?
Como permitir a partida de sua alma, sem despedaçar a minha?
Chego no Parque Central e observo mais a frente um amontoado de quatro pessoas, que conversam com expressões melancólicas. O de blusa fluorescente verde é Derek, irmão mais novo de David. A de blusa pink é Delaila, irmã mais velha de David. O de blusa azul neon é Matthew e a garota ao lado é sua namorada Jane, que está usando uma blusa amarela ofuscante. Os dois são amigos de infância de David.
Todos estão abrigados de baixo do velho gazebo branco, onde, um tempo antes, compartilhamos momentos únicos. Fui a última a chegar, mas é como dizem: a noiva sempre atrasa. Nunca ouvi falar de uma que usa uma camiseta cor vermelho carmesim no dia do casamento.
Observo que o céu está tão escuro que a qualquer momento parece que vai cair sobre nossas cabeças, destruindo tudo no mais profundo de nosso ser.
Destruindo um mundo que eu vivo sem você.
— Eleanor chegou! — Diz Delaila me recebendo com um forte abraço.
Ela e Derek tinham a mesma cor de cabelo que David: um castanho claro invejável. Eles eram iguais em tantos aspectos, mas ao mesmo tempo eram tão diferentes, que chega a ser engraçado dizer que esses três possuem alguma semelhança. Quando ela se afastou, notei que nós cinco éramos o arco-íris mais colorido e o mais triste também.
Recebo olhares ansiosos que me questionam em silêncio o motivo dessa ocasião. Respiro profundamente e digo:
— Vocês trouxeram o que eu pedi? — Questiono, colocando no centro da pequena mesa de madeira, uma torta de maçã com canela.
— Sim, trouxemos. — Diz Jane, colocando ao lado da torta um pacote com cinco velas palito estrela de prata.
— Mas isso é estranho, parece até que vamos comemorar alguma coisa. — Derek fala, enquanto tira da bolsa sua polaroid e coloca na mesa de centro.
— Se vamos comemorar ou não, explique para nós o motivo desta reunião de emergência. — Diz Matthew pousando sobre a mesa um álbum de fotografia vazio, juntamente de Delaila que coloca apenas um envelope aberto.
— David deixou uma carta para cada um de nós e queria que compartilhássemos o conteúdo delas juntos. Em cima das cartas, ele deixou algumas coisas escritas que vou ler para vocês. — Pego do meu bolso o pedaço de papel dobrado e, com alguns tremores, desdobro-o e leio em voz alta as palavras escritas:
Olá, meus irmãos! Olá, meus amigos! Olá, minha esposa!
Se vocês cinco estão lendo isso, deve ser porque eu morri.
Descobri sobre o câncer tarde demais e acabei morrendo cedo demais. Não contei para vocês de imediato, pois senti medo. Contudo, decidi que eu seria mais do que essa doença e aproveitaria o restante do meu tempo ao lado das pessoas mais gentis e amáveis que conheci: vocês. Peço desculpas por vocês descobrirem da pior forma e num momento que mais nada poderia ser feito, a não ser me deixar partir.
Sei que estão tristes, eu também estou, pois não vou poder viver aventuras maravilhosas com vocês novamente. Meu tempo aqui acabou, mas o de vocês não precisa parar por causa disso. As palavras em cada uma das cartas são a forma que encontrei para dizer adeus da maneira certa. Por favor, aceitem cada uma delas.
Amo vocês eternamente. Com amor, David.
P.S.: Usem blusas coloridas e chamativas quando se encontrarem para compartilhar o conteúdo das cartas. Escolham uma ordem de leitura aleatória, mas peço para que Eleanor seja a última a ler (o que está morto pode morrer? Sinto que ela vai me matar por isso).
P.S.S.: Por favor, reúnam-se no velho gazebo branco, no Parque Central. Eleanor, leve uma torta de maçã com canela. Jane, leve velas palito estrela de prata. Derek, leve sua polaroid. Matthew, leve um álbum de fotografia vazio. Delaila, leve o envelope que você recebeu no dia que eu parti.
Não sei quanto tempo passou depois que terminei de ler, só sei que o silêncio que pairou sobre nós foi doloroso. Entre lágrimas e soluços reprimidos, juntei forças em meu ser e comecei a entregar as cartas a seus respectivos destinatários. Precisava fazer isso por ele, por mim e por todos nós. Precisava me manter forte.
Após todos receberem as cartas, limpei as lágrimas e perguntei:
— Quem quer ser o primeiro?