O gato está no canto da sala, querida, a olhar-nos com seus olhos de diamante. O gato olha os coelhos tristes, olha para mim e olha para você e olha para todos nós com seus olhos de diamante, sacudindo a cauda diabolicamente. O gato, querida, olha para cada um e sacode a cauda, fitando-nos com seus olhos de diamante, fitando nossas vidas e nossa tristeza, fitando os coelhos tristes e sem alma.
Querida! veja os coelhos tristes! Tão brancos e tão pretos e tão cinzas! Todos eles são coelhos e todos nós somos coelhos, somos tristes e somos brancos e cinzas e marrons e rajados.
O cão está no canto da sala, querida, olhando-nos com seus olhos burros. Ele agita a cauda e late e bate o queixo e os dentes enquanto olha para nós. O cão nos olha e sabe que somos tristes e que não temos alma. O cão nos olha, querida, e sabe que a culpa é toda nossa. O cão tem olhos burros e nós temos culpa.
Querida! veja os coelhos tristes! Apavorados em seu canto perante a fuga de nossos corações! Eu sou um coelho e você é um coelho, querida. Não temos coração e a culpa é toda nossa.
A raposa está no canto da sala, querida, olhando para nós com seus olhos astutos. A raposa lambe os lábios, os dentes, o queixo, sem tirar seus olhos astutos de nós. A raposa olha os coelhos tristes e lamenta a minha culpa, lamenta a sua culpa, lamenta a nossa culpa, querida. Ela lamenta nossas almas perdidas e nossos corações fugidos e nossa culpa. A raposa tem olhos astutos e os coelhos são todos cegos.
Querida! veja os coelhos tristes! Acuados perante os sons de sua morte! Amedrontados pelo som dos ossos que se quebram e das vidas que se vão. Os coelhos tristes estão com medo, querida, porque suas vidas se esvaem nas presas do gato, do cão e da raposa. Os coelhos tristes estão com medo e eu estou com medo e você está com medo, querida, porque somos vermelhos e rubros e rubros e vermelhos, manchados pela nossa culpa e pelo nosso sangue e pela nossa morte.