É incrível como o hábito cria sua própria força com o passar o tempo...
Pela enésima vez eu passeava por aquele horto de aparência desagradável, o solo cor-de-ferrugem, ressecado e fendido se esfacelando sob meus pés a cada passo vagaroso que era obrigado a suportar. Entre uma rachadura e outra e de algum modo que me escapava, persistia o escárnio de uma flora de inegável feiúra. Tal qual um moribundo à espera da morte, a vegetação deplorável parecia aguardar uma primavera que nunca viria.
Em seu lugar, a seca reinava absoluta de forma a deixar tudo sempre e ainda pior. Mesmo incomodado com a visão daquelas flores de pétalas estorricadas que cheiravam como um cadáver em um dia ensolarado, cada uma com cores variando entre o esterco e o gorfo de uma criança e com texturas que me lembravam ora vísceras frescas, ora arame farpado... Eu vagava por entre elas, aspirando aquele miasma que sua lenta e infindável decomposição emanava sutilmente. Às vezes, até as regava com parcas e raras gotas salobras que caíam. Mas nada mudava.
Naquela penumbra gélida em que a vegetação e eu estávamos, pesadelos, traumas e desilusões espreitavam como fantasmas famintos e sem descanso. Eram minha única companhia naquele maldito jardim.
Às vezes eu divagava como poderia ser ou ter sido diferente.
Quem mais além de mim se atreveria a adentrar nessa paisagem desolada, chafurdar em meio a toda essa imensidão árida e prosseguir até o cerne espinhoso, rasgando as mãos e pulsos para alcançar o que talvez nem haja no grotesco centro do emaranhado?
Poderia vicejar um lírio sequer, por mais diminuto que fosse, em meio a toda aquela decadência e corrupção?
Na minha dúvida que há tempos se convertera em negação irreversível, me divertia com o ritmado frenesi do pássaro escuro que praticamente violava uma ou outra flor alheia quando adejava para fora daquele lugar soturno. Embora passageira, tal emoção me ajudava a permanecer ali dentro.
E de tal modo peculiar e peçonhento, as estações passaram tantas vezes que perdi-me na contagem. Mesmo assim, a mudança de clima era invariavelmente de estigem para uma frieza invernal que nada trazia de bom. Tudo fica pior. Mais inóspito. Mais perturbador.
E eu estava lá.
Eu sempre era/ fui o único a estar lá.
Por quê? Bom... Talvez porque todas as diminutas, indelicadas e asquerosas flores que ali existiam possuíam uma pétala. Tão somente uma, com a mesmíssima sentença inscrita e imposta.
"Mal-me-quer"...