O vento era praticamente inexistente, os prédios, na sua abundância e alturas descomunais, acabavam por destruir todas as suas tentativas de interferir com o ambiente festivo. As ruas apinhadas de Nova Iorque com turistas e os seus residentes tornavam apenas o ambiente mais agradável e festivo. Como se o sentimento de alegria conseguisse de uma maneira quase mágica alegrar as ruas frias. As pessoas saiam à rua encapuçados e com casacos grossos para o meio da neve, recebendo sorrisos dos seus conhecidos. As famílias juntavam-se umas às outras cumprimentando-se, abraçando-se e desejando as felicidades para o novo ano.
Noite de Ano Novo e aqui estavam eles. Kendall de mãos dadas com Tyler, o rapaz com quem mantinha uma relação estritamente sexual, apesar de tudo aquilo soar a um encontro. Bem, além de parceiros sexuais, eram também uma espécie de amigos, certo? Não haveria nada de errado sair e passar tempo com o seu amigo masculino, solteiro e com quem passava noites acordada. Nada mesmo, apenas o resto do mundo estava a discordar das suas teorias.
–- Para onde vamos? -- Perguntou-lhe o jovem olhando para baixo à procura dos olhos azuis dela. Kends encolheu os ombros. Olhou para os lados em busca de algo para fazerem para além de ganharem raízes nos pés com o tempo que estavam ali parados. Levantou uma perna e depois outra apenas para confirmar que realmente não estava a ganhar raízes.
Avistou o lago artificial congelado. Iriam patinar! Apertou-lhe a mão e com um sinal de cabeça pediu que a acompanhasse. Ele não reclamou, não perguntou para onde iam, apenas iria confiar nela e, uma vez na vida, deixar que fosse ela a tomar as rédeas. Que péssima decisão tinha tomado. Resmungou para si mais um pouco quando finalmente percebeu para onde se dirigiam. A loirice daquela criatura não tinha limites em quesitos de idiotice. Como é que ela poderia fazer-lhe isso? Não via o quão grande e monstruoso ele era para patinar? Além disso duvidava que tivessem patins para o tamanho dele. E sem dúvida que não iria ficar do lado de fora, encostado ao varão, e a vê-la patinar e deixar-se seduzir por outros homens enquanto ele ficava na companhia de um copo de chocolate quente para não morrer de frio.
– Nem penses! - Ela parou abruptamente, o texano não reparou e atropelou-a, pisando-lhe um dos pés. Kendall deixou escapar um guincho e em minutos o seu sotaque Irlandês inundava o espaço. - Desculpa, estás bem?
– Ótima! Não é todos os dias que o bigfoot decide esmagar os teus dedos e praticamente empurrar-te!
– A culpa é tua por parares assim do nada.
– O teu cérebro não veio instalado com reflexos? Como é que consegues conduzir mesmo? - Ele dei-lhe uma pequena pancada na cabeça para a fazer calar.
– Shiu mulher, és mais bonita calada.
– Charmoso e cavalheiro. Volta para a terra dos amish, estás claramente perdido.
– Gosto demasiado do meu carro.
– Claro que gostas - ela revirou os olhos - Olha p'ra mim, sou um macho daqueles mesmo macho, que apenas os filmes de cowboys conseguem ter. Já viste este músculo querida? - Tentou imitar o sotaque do amigo e algumas das suas poses típicas.
Tyler ergueu uma sobrancelha loira e voltou a dar-lhe uma palmada na cabeça.
– Eu não sou um cão, para de me bater! -- Serrou o punho e bateu-lhe no peito. Cruzou os braços no seu peito e virou-lhe a cara. As mãos dele apertaram-lhe os ombros e sentiu-se ser empurrada. - Hey, que é que estás a fazer? -- Resmungou.
– Não querias ir patinar? -- Bufou irritadiço.
– Depois desse teu estranho ataque perdi a vontade.
– Não sejas mulher, mulher.
– Desculpa ter vagina, aliás não desculpo nada. Tu aprecias-a bem. - Notou um sorriso de lado de Tyler e não consegui evitar e sorrir também.
– Queres mesmo falar sobre a nossa vida sexual numa praça tão cheia.
– Pensei que eras "moderno".
– O que se passa nos lençóis, fica dentro dos lençóis.
– E o que se passa na cozinha? Sala de estar? Sofá? No teu carro? Ou no duche?
– Fica nos locais – revirou os olhos sentindo-se um pouco desconfortável com a conversa. Mesmo que não se importasse com as atividades que praticavam, falar delas em público era algo que não conseguia habituar-se. Como se fosse impróprio, e nunca fora muito religioso. Deixou um suspiro escapar-lhe.
– Estás cansado? – Ela ajeitou o seu gorro claro. Tyler parou de a empurrar e estendeu a mão. Kends sorriu e pousou a sua na dele. Apertaram-se mutuamente ainda de olhos postos um no outro. Uma onda de eletricidade percorreu-os e iluminou-lhes os sentidos.
– Uma foto para o casal? – Aqueles fotógrafos de ocasião que são contratados para fotografar os momentos de Nova Iorque apareciam nas piores horas. Ele sorria para os dois e depois colocava-se em posição.
– Não somos um casal… - comentaram em uníssono voltando-se um para o outro. Ela arqueou uma sobrancelha e ele encolheu os ombros.
– Mas podem ficar com a foto de recordação na mesma! – Comentou voltando a posicionar-se. Os dois encolheram os ombros. Ele colocou o braço à volta da cintura dela e ela encostou a sua cabeça no ombro dele. Sorriram e esperaram pelo flash e depois separam-se. Receberam as indicações de onde poderiam depois encontrar e comprar as fotos.
– Pensei que seriam de graça! – Comentou Tyler depois do senhor se ter ido embora. Os dois caminhavam em direção do lago.
– Nova Iorque, querido. Nada é de graça! – Riu.
– Que rica cidade…
– Não digas mal daqui, estás cá, agora és de cá. É lei, não digas mal da tua terra.
– Isso é ridículo!
– Mas é a lei! – Voltou a dizer levando a sua mão ao ar como se conseguisse tocar nas leis.
– Às vezes, és meio doida. – Comentou rindo.
– É sempre, apenas o escondo muito bem – riu.
Finalmente chegaram ao parque. Ela dirigiu-se à barraca e alugou uns pares para si e para Tyler. Foram sentar-se num banco onde descalçaram as suas botas e calçaram os patins. Tentando equilibrar-se dirigiram-se para o circuito de gelo. Ela adentrou o ringue patinando como se toda a sua vida o tivesse feito. Ele, meio desajeitado ia agarrado ao varão enquanto a observava.
Kendall rodopiou, fez uma pequena pirueta e deu uma volta completa ao ringue voltando para perto do seu amigo. O texano não se tinha movido muito e pela primeira vez perguntou-se se ele alguma vez tinha patinado. Com a expressão dele era mais que óbvio que não. Levou as mãos à boca e parou a centímetros dele.
– Desculpa – sussurrou – Nunca me passou pela cabeça que não soubesses patinar. Sou mesmo loira. – Suspirou.
– Pois és! Mas é disso que gosto em ti – ajeitou-lhe uma madeixa.
– Anda – estendeu as mãos. Um pouco relutante cedeu e agarrou os ombros dela como se a sua vida dependesse de tal. Ela abraçou-o de volta e começou a rir.
– Não tem piada.
– Oh se tem! – Começaram a girar em círculos e ele apertava-a cada vez mais – Vou ficar sem ar! – Gritou no meio do barulho. Então deram as mãos, ela exemplificou o que ele tinha que fazer para se equilibrar. Largou as mãos e retrocedeu um pouco. Tyler fez exatamente o que ela tinha sugerido e não tardou muito para que a conseguisse acompanhar. Passeavam pelo lago falando sobre todo o tipo de coisas.
– Aquele moço parece interessado – comentou pendendo a cabeça para o lado de um jovem moreno com um cachecol verde.
– Não estou interessada. – Comentou sorrido – Estás a querer encontrar-me um homem? – Levantou uma sobrancelha.
– Não sei, só achei que devia avisar-te caso queiras fugir.
– De ti? Mas é tão mais divertido fazer-te sofrer. – Pestanejou.
– Descobrindo os teus lances sádicos.
– Um dia podemos experimentar alguns brinquedos se quiseres – piscou-lhe o olho e riu com a cara azeda que ele fez – Juro que não tenho um quarto vermelho da dor.
– Andas a ler livros para mães?
– Trabalho numa empresa de marketing e livros, já vi muita coisa, meu caro.
Foram entregar os patins e dirigiram-se para uma barraca que vendia chocolate quente. Tyler ofereceu-se para pagar as bebidas. Caminharam para fora do parque com as suas bebidas a aquecerem-lhes as mãos.
As luzes iluminavam a praça, crianças rondavam os bancos em busca de um lugar vazio onde se sentar e comer as suas maças com caramelo. Os adultos corriam atrás delas com medo de as perderem, ou que outras coisas pudessem acontecer. Seguido com essa linha de pensamento, Tyler agarrou a mão de Kends. Ela olhou surpreendida e ele apenas encolheu os ombros e disse que “porque me apetece”. A loira bebeu um gole do seu chocolate e voltou a olhar para as ruas festivas. Pessoas com apitos, tambores e outros objetos sonoros que apenas serviam para este dia. Graças a Deus, pensou ela para si.
Finalmente perto da “Bola Gigante” de Nova Iorque pararam. Faltavam dez minutos para a meia-noite e para o começo do novo ano.
– Falta pouco – comentou ela.
– Não acredito que me fizeste sair de casa a esta hora apenas para vermos uma bola cair – comentou um pouco aborrecido.
– Seu herege, é tradição da tua terra. Já te disse, não podes dizer mal da tua terra é…
– Lei! – Gritou ele atraindo alguns olhares. – Acho que foi demasiado alto.
– Combina com o teu tamanho.
– Engraçadinha.
– O meu nome do meio. Dez minutos!
E o tempo demorava a passar. As pessoas iam-se juntando e parecia ficar cada vez mais cheio o espaço. Era nestas alturas que Kendall pensava a quão pequena era Nova Iorque. E sabia que Tyler pensava exatamente o contrário.
– Kendall…
– Sim? – Ela desviou os olhos da bola para observar a cara estranha do seu amigo. Franziu o sobrolho com o ar que ele fazia – Está a ser assim tão horrível?
– Não, pelo contrário. – Comentou. – É só que…
– Ah a contagem começou! Dez, nove, oito – e os números iam passando. – Quatro.
– Kendall – ele pousou as mãos nos seus ombros e fê-la rodar. Kends continuava com o sobrolho franzido. – Eu acho que… – e num impulso, talvez devido ao momento beijou-a. Os seus lábios ligaram-se aos dela e num gemido mudo esperou que a boca dela se abrisse. Precisava urgentemente de a sentir. Não demorou muito para que ela compreende-se e deixasse-se levar. Kendall pendurou-se ao seu pescoço e ele agarrou-a pela cintura chegando-a mais perto de si. Separam-se a arfar. Colaram o nariz um do outro. Ela abriu os olhos à procura dos dele, estavam tão limpos, pareciam tão sinceros. – Feliz ano novo.
– E a bola caiu e eu não vi! – continuavam com os narizes encostados um ao outro. -- Feliz ano novo.
– Desculpa.
– Agora tens que me trazer para o final do ano. – Riu.
– Fica prometido.
– Vou cobrar.
– Eu sei que irás.
– E que vamos fazer agora?
– Vou compensar-te debaixo de lençóis.
– Apetecia-me mais um banho quente…
– Os teus desejos são ordens – ele depositou-lhe um beijo no nariz e estendeu a mão. Kendall pousou a sua na de Tyler e juntos caminharam de volta para o apartamento dela.