A esfera estava fria, azul-pálido, sem gosto, sem propósito algum - a não ser, me causar ansiedade.
Eu tinha de adentrar aquela mansão antiga e decadente com seus tons cinzas e brancos... Com suas paredes manchadas e molhadas pelo tempo - apesar de o clima estar pesarosamente seco.
O cenário era tenso. Como se uma lambida que o vento dá em meu corpo, tivesse despertado todos os meus pelos que eriçaram-se apressadamente e me disseram com urgência:
"Abra esta grande porta maciça!"
Minhas mãos tremeram e temeram tocar a grande maçaneta dourada e empoeirada, mas as nuvens me ajudaram a decidir mais rápido quando resolveram rir de minha desgraça, mandando-me diretamente um pavilhão de tormentos e de relâmpagos que ameaçaram cuspir raios em meus dedos.
Colei-os então à maçaneta e, a girei para a esquerda; foi então que, com um piscar de olhos e um assovio roncado vindo das dobradiças da porta, que a água começou a me encharcar os tornozelos.
Logo me vem o desespero.
Destes que cutucam-te por detrás da pelinhazinha da orelha.
Meus olhos entraram no cômodo gigante primeiro que minha cabeça, deram de frente com plantas musgolentas que me fizeram remeter às fadas empoleiradas nos caules das flores, só para fazê-las crescer. (Destas que vemos em nossos sonhos com tons verdes)
Tudo me era um incômodo e meus pés desobedeciam minha curiosidade incessante, fui obrigada a agarrar meus próprios joelhos e levá-los a força para dentro.
Afundei num só segundo até o dorso, na água gélida e pegajosa.
Falta de ar.
A leveza contra a garganta,
me fez querer gritar.
Não se passava de uma grande estrutura antiga, sem cômodo algum... Se bem que... Havia uma grande imensidão bem abaixo de meus pés, eu podia sentir o frio inquietante.
Minhas roupas estavam encharcadas e a sensação precoce de afogamento me amofinava, meu temor pelo que poderia haver lá em baixo, também era do tipo de pensamento que jamais me deixaria viver em paz... Se eu não tentasse...
Suguei da atmosfera indiscretamente, todo o ar que me coube nos pulmões; preguei meus cílios nas bochechas e apenas me deixei afundar apressadamente, rodando como um parafuso naquele azul-acinzentado-esverdeado-pegajoso.
E eu poderia guiar uma excursão, se ao menos pudesse enxergar.
Tudo que minhas mãos tocavam, me dava impulso para querer berrar.
No entanto, eu sabia que tinha de segurar aquele ar, aguentar, descobrir, sobreviver...
Aonde é a saída?
Como eu retorno para a superfície?
Oh Meu Deus! O que eu fui fazer?
Era como uma grande piscina milenar de pedra, mas suas paredes mais me pareciam janelas. Janelas com grades antigas. Nas grades antigas, existiam mais plantas musgolentas empoleiradas em cada gancho e moldura, como fadas maldosas que adorariam me devorar viva... A falta de luz, o fluído pegajoso que me continha em seu íntimo, meus cabelos sobrenadando a cima de minha cabeça...
Tudo fazia parte de mais um pesadelo. Destes que te confudem até quando você já está acordada...
Nada... Nada... Nadar... Braços... Força vã. Força vaga.
Até que, com o nariz já colado na grande janela cheia de mucosidade amarelo-esverdeada e com meus olhos quase cedendo e, minha língua lutando para não deixar ir a última fagulha de vida... Senti em meus ouvidos as ondulações do que me pareceu ser um longo assovio dentro da água.
E foi aí que me deparei com a visão mais incomum que poderia haver...
Uma mocinha ruiva, com a epiderme branca que servia de reflexo para qualquer luz que a conseguisse encontrar, cheia de suas tatuagens que quase saltavam de sua pele enrugada pela água doce inconstante e de seus pontos brilhantes na pele que me cegaram ao mesmo minuto em que me acordaram; veio apenas flutuando calmamente e exaustivamnte em minha direção.
Sua longa vestimenta de uma cor que eu nunca seria capaz de descrever - mas, aos que não conhecem meus sonhos, podem chamar de amarelo-perolado - afrouxava e ondulava nesta hidrosfera incomum.
Seus grandes olhos negros me observavam meio que por cima, saltados como duas grandes enguias prontas para me abocanhar, mas... Seu sorriso variava entre surpreso, calmo e tedioso.
Eu não podia compreender.
Esta era minha salvadora?
Uma sereia-humana-ruiva-assoviadora?
Não.
Ela fez surgir dentre seus cabelos esguios, uma velha câmera fotográfica!
Num impulso, era como se todo o meu ar houvesse voltado. E eu pudesse por alguns minutos, respirar em baixo d'água.
Seus braços a impulsionaram gentilmente até minha frente, ela se pôs ereta,
esboçou uma expressão de menineza e *click!* fotografou-me ainda com vida...
Como se braços invisíveis me puxassem pelo ventre,
eu repousei sem ar algum
aos pés de uma janela submersa.
No entanto, a sereia-humana-ruiva-assoviadora-com seus pontos brilhantes- que me cegaram ao mesmo tempo que me devolveram a vida; continuou vagando sem esforço pela hidrosfera, parando diante cada janela e... *click!* fotografando-as.
Capturou cada visão da mansão afundada.
Capturou a verdade natural de cada objeto em reação à água...
Suas plantas, seus vitrais lisos de aspecto mucoso, as cores da hidrosfera, as paredes inchadas e brancas, seu próprio cabelo sobrenadando... E eu?
Eu apenas fechei os olhos e senti as ondas ínfimas,
se aconchegando em meu pescoço,
mãos e ouvidos...
Assoviando...
E por fim, o silêncio.