O assovio da sereia
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 02/09/17 02:38
Avaliação: 9.44
Tempo de Leitura: 5min a 7min
Apreciadores: 8
Comentários: 8
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Palavras: 858
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Não sei o que significa, só sei que esta imagem que ilustra o conto, coincidentemente, é de um video clipe que ACABEI DE ENCONTRAR, enquanto estava a toa na internet, nunca tinha visto o clipe e muito menos ouvido falar da cantora.

Chama-se 'Marmaid' da cantora Skott. Não sei nada sobre esta cantora, só sei que os tons usados no clipe, os sons da música e as locações aonde o clipe foi gravado, SE ASSEMELHAM DEMAIS AO MEU SONHO!

Isso é bizarro. Mas, vamos ao conto.

Capítulo Único O assovio da sereia

A esfera estava fria, azul-pálido, sem gosto, sem propósito algum - a não ser, me causar ansiedade.

Eu tinha de adentrar aquela mansão antiga e decadente com seus tons cinzas e brancos... Com suas paredes manchadas e molhadas pelo tempo - apesar de o clima estar pesarosamente seco.

O cenário era tenso. Como se uma lambida que o vento dá em meu corpo, tivesse despertado todos os meus pelos que eriçaram-se apressadamente e me disseram com urgência:

"Abra esta grande porta maciça!"

Minhas mãos tremeram e temeram tocar a grande maçaneta dourada e empoeirada, mas as nuvens me ajudaram a decidir mais rápido quando resolveram rir de minha desgraça, mandando-me diretamente um pavilhão de tormentos e de relâmpagos que ameaçaram cuspir raios em meus dedos.

Colei-os então à maçaneta e, a girei para a esquerda; foi então que, com um piscar de olhos e um assovio roncado vindo das dobradiças da porta, que a água começou a me encharcar os tornozelos.

Logo me vem o desespero.

Destes que cutucam-te por detrás da pelinhazinha da orelha.

Meus olhos entraram no cômodo gigante primeiro que minha cabeça, deram de frente com plantas musgolentas que me fizeram remeter às fadas empoleiradas nos caules das flores, só para fazê-las crescer. (Destas que vemos em nossos sonhos com tons verdes)

Tudo me era um incômodo e meus pés desobedeciam minha curiosidade incessante, fui obrigada a agarrar meus próprios joelhos e levá-los a força para dentro.

Afundei num só segundo até o dorso, na água gélida e pegajosa.

Falta de ar.

A leveza contra a garganta,

me fez querer gritar.

Não se passava de uma grande estrutura antiga, sem cômodo algum... Se bem que... Havia uma grande imensidão bem abaixo de meus pés, eu podia sentir o frio inquietante.

Minhas roupas estavam encharcadas e a sensação precoce de afogamento me amofinava, meu temor pelo que poderia haver lá em baixo, também era do tipo de pensamento que jamais me deixaria viver em paz... Se eu não tentasse...

Suguei da atmosfera indiscretamente, todo o ar que me coube nos pulmões; preguei meus cílios nas bochechas e apenas me deixei afundar apressadamente, rodando como um parafuso naquele azul-acinzentado-esverdeado-pegajoso.

E eu poderia guiar uma excursão, se ao menos pudesse enxergar.

Tudo que minhas mãos tocavam, me dava impulso para querer berrar.

No entanto, eu sabia que tinha de segurar aquele ar, aguentar, descobrir, sobreviver...

Aonde é a saída?

Como eu retorno para a superfície?

Oh Meu Deus! O que eu fui fazer?

Era como uma grande piscina milenar de pedra, mas suas paredes mais me pareciam janelas. Janelas com grades antigas. Nas grades antigas, existiam mais plantas musgolentas empoleiradas em cada gancho e moldura, como fadas maldosas que adorariam me devorar viva... A falta de luz, o fluído pegajoso que me continha em seu íntimo, meus cabelos sobrenadando a cima de minha cabeça...

Tudo fazia parte de mais um pesadelo. Destes que te confudem até quando você já está acordada...

Nada... Nada... Nadar... Braços... Força vã. Força vaga.

Até que, com o nariz já colado na grande janela cheia de mucosidade amarelo-esverdeada e com meus olhos quase cedendo e, minha língua lutando para não deixar ir a última fagulha de vida... Senti em meus ouvidos as ondulações do que me pareceu ser um longo assovio dentro da água.

E foi aí que me deparei com a visão mais incomum que poderia haver...

Uma mocinha ruiva, com a epiderme branca que servia de reflexo para qualquer luz que a conseguisse encontrar, cheia de suas tatuagens que quase saltavam de sua pele enrugada pela água doce inconstante e de seus pontos brilhantes na pele que me cegaram ao mesmo minuto em que me acordaram; veio apenas flutuando calmamente e exaustivamnte em minha direção.

Sua longa vestimenta de uma cor que eu nunca seria capaz de descrever - mas, aos que não conhecem meus sonhos, podem chamar de amarelo-perolado - afrouxava e ondulava nesta hidrosfera incomum.

Seus grandes olhos negros me observavam meio que por cima, saltados como duas grandes enguias prontas para me abocanhar, mas... Seu sorriso variava entre surpreso, calmo e tedioso.

Eu não podia compreender.

Esta era minha salvadora?

Uma sereia-humana-ruiva-assoviadora?

Não.

Ela fez surgir dentre seus cabelos esguios, uma velha câmera fotográfica!

Num impulso, era como se todo o meu ar houvesse voltado. E eu pudesse por alguns minutos, respirar em baixo d'água.

Seus braços a impulsionaram gentilmente até minha frente, ela se pôs ereta,

esboçou uma expressão de menineza e *click!* fotografou-me ainda com vida...

Como se braços invisíveis me puxassem pelo ventre,

eu repousei sem ar algum

aos pés de uma janela submersa.

No entanto, a sereia-humana-ruiva-assoviadora-com seus pontos brilhantes- que me cegaram ao mesmo tempo que me devolveram a vida; continuou vagando sem esforço pela hidrosfera, parando diante cada janela e... *click!* fotografando-as.

Capturou cada visão da mansão afundada.

Capturou a verdade natural de cada objeto em reação à água...

Suas plantas, seus vitrais lisos de aspecto mucoso, as cores da hidrosfera, as paredes inchadas e brancas, seu próprio cabelo sobrenadando... E eu?

Eu apenas fechei os olhos e senti as ondas ínfimas,

se aconchegando em meu pescoço,

mãos e ouvidos...

Assoviando...

E por fim, o silêncio.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Para a Gabi Venijio. Nunca mais nos falamos ou nos vimos. Não sei a razão pela qual você foi protagonista do meu sonho. Tudo isso é estranho para mim também.

Você é a sereia ruiva que fotografou as paredes, noite passada, dentro do meu inconsciente.

Obrigada por estarem aqui para desfrutarem de mais um sonho que não pode ser contido. Peço para que vejam o videoclipe de "Marmaid - Skott", é chocante. Garanto, as cores são as mesmas.

Apreciadores (8)
Comentários (8)
Comentário Favorito
Postado 16/11/17 03:24 Editado 16/11/17 05:06

Srta Janeiro, seu talento e sentimento para narrar e descrever é de uma primazia que ultrapassa o apaixonante. É admirável, invejável, inestimável! Eu também me afoguei deliciosamente neste conto, em cada detalhe tão ricamente exposto ao leitor.

Fico verdadeiramente abismado e impressionado com suas obras, cada uma delas é um novo aprendizado, um potente afrodisíaco para a imaginação, uma inspiração idílica e inevitável... Ah, que mente selvagem, inventiva e privilegiada temos aqui conosco! Seu conto idílico foi uma obra de arte do início ao fim! Estupendo!

Se eu fosse um ser dos/nos seus sonhos, jamais deixaria que a senhorita despertasse novamente... Seria minha eterna musa das mil e uma noites/sonhos/pesadelos...

Atenciosamente,

Um ser submerso em uma tapera inundada com sangue, lágrimas e dejetos, Diablair.

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Postado 16/11/17 10:46

Pois, invada meus sono, de fato, será uma incrível aventura.

Obrigada por apoiar tanto, com tanto fervor, sempre.Obrigada, obrigada e obrigada.

Postado 03/09/17 23:06

Juro que teria muito, mas muito medo mesmo, se sonhasse com algo similar. Uma que a falta de ar me assombra em vida, e sonhar com ele se esvaindo é angustiante. Mas devo dizer que sonhos assim são os melhores para serem contados (e lidos, nesse caso). Adorei a forma como você descreveu tudo detalhadamente, dando a oportunidade da imaginação correr à solta; imaginando cada cena, vivenciando-a através das suas palavras.

Agora, mansões abandonadas já dão medo, imagina uma abandonada submersa. Se eu fosse a protagonista - no caso você em seu sonho - não entraria por nada e muito menos exploraria o lugar. Talvez, mas só talvez mesmo a curiosidade falasse mais alto, mas creio que não me aventuraria. Quem sabe.

Quanto a nossa sereia ruiva, seria muito bizarro dizer que ri de seu aparecimento? Juro que a cena que imaginei foi dela tirando uma selfie ao lado do protagonista. Uma contraversão, talvez? Porque o ser humano é cheio dessas ideias: tirar selfies ao lado de coisas incomuns e - algumas vezes - ao lado de cadáveres de animais. Por que um ser aquático não faria o mesmo?

Enfim, adorei mesmo a sua obra. Achei que ele sobreviveria e que a sereia iria ajudá-lo de alguma forma; triste fim. Meus parabéns!

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Postado 08/09/17 01:42

MENINA, ESSE SONHO FOI UMA LOUCURA, tem umas partes mais insanas, mas sabe quando algo só consegue ficar dentro da sua cabeça e é impossível de traduzir por meio das palavras?

Foda.

Obrigada aaaaaa

Postado 05/09/17 22:42

Sinto que perdi lindamente para você no quesito Sonho Estranho. Sério, a sua mente sonha cada coisa sinistra! Sua Doença é bem elaborada. Gostei muito disso.

Bom, a música eu não conhecia, mas algo me diz que eu já ouvi a voz dessa cantora nas horas que eu fiquei divagando pela net. Realmente casou muito bem com o teu texto/sonho.

Parabéns!!

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Postado 08/09/17 01:43

Cê viu? Skott tem uma conexão com todo mundo. Lindassa ela.

E obrigada por adentrar meus sonhos pitorescos sjaojsaijiajs <3

Postado 15/11/17 15:06

Gente, o que que foi que eu acabei de ler? Tudo bem, eu não queria dormir mais mesmo. Acho que quatro horas por dia ainda é muito!

Brincadeiras a parte, senti falta da sua escrita! <3

Postado 15/11/17 22:17

Aaaaa, é sempre bom te ter por aqui! Obrigada <3

Postado 28/12/17 10:53

Disperse-me em teus sonhos, por favor. Meus comprimidos me dão apenas um negror.

Já li e reli várias vezes. É simplesmente delicioso. Meus parabéns, Ana.

Postado 29/12/17 04:36

Obrigada amoreca! <3

Postado 30/01/18 23:26

Que conto incrível. Realmente, sonhos são bem peculiares de vez em quando. Mas, para nós, escritores, isso não é muito diferente do natural; tendo em vista que observamos cada momento como se fosse o último - como se fosse um sonho.

Parabéns ❤

Postado 09/02/18 10:33

Gente, esse conto é maravilhoso! Vontade de ler mil vezes! Dá pra sentir a emoção da personagem na pele, e ui, que sensação!

Maravilhoso <3

Postado 26/10/18 08:55

Exelentes descrições e cenas, bem escritas e coerentes. Parabens

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