As pessoas gritavam, mas era um som tão distante que suas palavras soavam desconexas para mim. O aro estava bem na minha frente e Henrique se encontrava totalmente livre, então por que essa sensação esquisita de impotência? Era só passar e marcaríamos mais um ponto, certo? Errado.
Por causa de um deslize o time adversário acabou roubando a bola e fazendo uma cesta de três pontos. Todos, sem exceção, olharam para mim. Tsc, era ridículo, será que ninguém nunca me viu errar um passe?
- Tempo! – o árbitro gritou. Mau sinal.
- Lucas, você está fora do segundo tempo.
Merda. Pelo menos não fui o único a ficar surpreso pela decisão repentina do nosso técnico. Henrique tentou argumentar, mas o treinador fez pouco caso e continuou repassando a estratégia para o segundo tempo.
- Treinador, posso ir embora? Não estou me sentindo bem.
- Claro, mas não se esqueça do treino de amanhã, Lucas.
- Pode deixar. – Apenas peguei a minha bolsa e saí do banco, ignorando todos os olhares dos meus companheiros. Eles sabiam que eu estava mentindo, mas nada disseram. Todavia, antes de sair da quadra dei uma última olhada na esperança que ele estivesse ao menos demonstrando uma mínima porcentagem de preocupação. Grande engano.
Rafael continuava com seus olhos inexpressivos e fixos no adversário, e apesar de não transparecer, ouvia atentamente as novas ordens do treinador. Eu o conhecia bem o suficiente para saber que a única preocupação presente em sua mente era dos pontos a serem recuperados. Pontos esses que foram perdidos por minha causa.
Meu coração parecia ter ficado apertado em meu peito, e antes que as lágrimas se fizessem presentes, virei e continuei caminhando para fora do ginásio. Ele não se importava. Nós havíamos de fato se tornado dois estranhos.
Senti a brisa gélida bater em meu rosto ao me dirigir às ruas, e isso de alguma forma foi reconfortante. A lua pairava no céu, quase coberta pelas densas nuvens, sinal que a previsão estava mais do que correta: iria chover forte. No entanto, não me importei e continuei andando lentamente, pouco importando se demoraria mais de uma hora para chegar em casa. Ninguém estaria me esperando, então qual seria o problema?
Sozinho. Era dessa forma que eu me encontrava novamente. Depois de hoje tive a certeza de que realmente perdi tudo o que me motivava, e a sensação dessa perda é tão medíocre que chega a ser irônico. Eu não havia de fato perdido tudo, afinal, a pessoa responsável por essa sensação não havia desaparecido, apenas se tornado inalcançável.
Essa pessoa nada mais é do que Rafael Oliveira. Meu antigo melhor amigo, meu ex-amante.
- Lucas, aconteceu algo?
- Não, por quê? – aquela pergunta repentina me fez parar no meio da rua para encará-lo. Rafael nunca demonstrou preocupação comigo.
- Você está estranho.
- Não é nada, deve ser apenas paranoia sua, Fael. Não precisa se preocupar.
- É claro que me preocupo. Como não posso me preocupar com alguém... Especial para mim?! – essa última parte saiu mais como um sussurro, e se eu não estivesse prestando muita atenção não teria ouvido. Fael estava se preocupando comigo? Mais do que isso, eu era alguém especial? Apenas me limitei a sorrir igual um idiota.
Sim, eu era extremamente idiota de ter acredito em suas palavras. Todavia, o que eu poderia ter feito na época? Eu estava – e ainda continuo – apaixonado por ele. E quando começamos a namorar, foi como se tudo estivesse se encaixando novamente em minha vida.
- O que você disse, Rafael?
- É isso o que você, idiota, não me faça repetir a mesma coisa!
- V-você me ama? – eu ainda não conseguia acreditar, o grande realmente havia se declarado para mim? Os meus sentimentos de fato estavam sendo correspondidos?
- Tsc, como não poderia amá-lo?
Não consegui evitar as lágrimas e nem o impulso de abraçar Rafael, o meu Fael. Os sentimentos que antes estavam ocultos pela consciência de não serem correspondidos emergiram do esquecimento quando finalmente pude estar nos braços da pessoa que eu mais amava e admirava.
Pela primeira vez eu havia ficado plenamente em paz. Não havia mais problemas, treinos, Henrique gritando conosco, não havia mais nada. Apenas eu e ele. Então por que tudo teve que terminar assim? Novamente pude sentir o vazio se estender em meu âmago, e só agora havia percebido que ele nunca havia ido embora. Lá no interior do meu subconsciente eu tinha certeza de que esse vazio voltaria; que seria passageira a ausência dele. Eu sabia, só não me permiti acreditar.
Estava tudo indo bem demais. E quando a vida começa a dar tudo certo pode ter certeza que ela está te preparando para enfrentar uma situação demasiada difícil. E por que seria diferente comigo?
- Lucas, por favor, me deixa explicar.
- CALE-SE, FAEL! – pude notar a súplica em sua voz, no entanto, a raiva falou mais alto. Ele havia me traído, o que mais tinha para ser explicado?
- Lucas, eu juro que não queria que isso tivesse acontecido. Por favor, acredite em mim...
- ACREDITAR EM VOCÊ? POUPE-ME, FAEL! – respirei fundo e tentei em vão controlar as lágrimas. – Tudo que fiz durante esses sete meses foi confiar em você. Ou acha que é fácil aguentar as meninas dando em cima de você descaradamente toda porra de aula? Eu confiei, te amei e fui fiel. E o que recebo em troca? UMA PORRADA DE MENTIRAS.
- Eu realmente queria que tivéssemos dado certo. Tínhamos tudo para dar certo, mas...
- Mas você resolveu aceitar ser agarrado pela Naomi, não? Aceitou essa porra de casamento arranjado e achou que pedindo desculpas iria me fazer sentir melhor?
- Você precisa seguir o seu caminho, Lucas, e precisa esquecer o amor que você sente por mim.
- Nada do que passamos juntos foi real, não é? Nada realmente importou para você.
- Luc...
- Vá embora, Rafael. E por favor, não volte nunca mais. Vá ser feliz com a sua noiva. – e quando o silêncio predominou, ouvi a porta se fechar e novamente a sensação de solidão me dominou. No final das contas, eu sempre estive sozinho, não é como se algo tivesse de fato mudado.
O que mais me magoou não foi o fato dele ter me escondido o seu casamento arranjado e ter feito com que eu descobrisse da pior forma possível: vendo-o aos beijos com Naomi no parque. Não. A maior mágoa vem da ilusão de que poderíamos ter sido felizes juntos.
Acredite, nós tínhamos tudo para dar certo. Estávamos em perfeita sintonia tanto fora quanto dentro da quadra. Ele me completava; era a perfeição e a rotina que faltava em minha vida, a organização que necessitava para ser feliz. No entanto, descobri da forma mais drástica que ter tudo não significa nada. Não demos certo. Nós nos tornamos um nada.
Depois daquele dia, ele começou a me ignorar totalmente, já não conversava comigo, muito menos respondia as minhas mensagens. E agora, três meses depois, tudo que um dia nós fomos se tornou meras lembranças de algo que nunca mais voltará.
Tentei seguir em frente como se nada tivesse acontecido, como se eu não o tivesse conhecido, como se eu continuasse feliz, completo. E de fato está dando certo. Só que ninguém precisa saber da verdade, não é? Ninguém precisa saber que apesar de tudo, sem você do meu lado eu continuo incompleto, Fael.
Ninguém precisa saber que não tenho um coração inquebrável como demonstro. Eu voltei a estar sozinho e terei que aprender a viver com a minha solidão. Aprender a viver sendo incompleto novamente.