Lembro como se fosse ontem. Você sorrindo ao sermos apresentados. Dentes perfeitos, uma suave curvatura na boca, um narizinho levemente arrebitado, e curiosos olhos castanhos atrás de óculos de armação azul... Lembro como se fosse ontem.
Mas não foi ontem. Foram... o que? Três anos? É, algo assim... Você me cumprimentou, com seu lindo sorriso, e desapareceu. Alguns meses depois, nos encontramos novamente. Mas havia... algo diferente. Seu cabelo castanho estava... verde? Você não lembrava de mim, é claro. Mas eu lembrava do seu sorriso. Mais uma vez, me ignorou. Dois meses depois, cruzamos na saída daquele shopping - considerando o quanto saio de casa, quase um milagre. Novamente, seu cabelo estava diferente; azul, dessa vez. Abordei você, e tenho certeza que não lembrava de mim, mas se mostrou simpática.
Acho, ao menos. Nunca gostei de pessoas. Barulhentas, reclamonas, donas da verdade, do futuro e de nossas vidas. Por obrigação, ia nessas "festas" de alguns clientes, pra manter as aparências, embora as achasse idiotas demais. Mas, foi assim que conheci seu sorriso.
Confesso. Não me interessei por você. Apenas fiquei intrigado pelo seu sorriso. Por isso quase senti alegria quando você aceitou a troca de contatos que propus. A partir daí, passei a vasculhar sua vida. Achar seus rastros on-line foi muito simples. Stalker, eu? Talvez. Mas precisa do seu sorriso. Parecia uma droga que preenchia o vazio que era o meu ser.
Trocamos mensagens. Devagar. Cauteloso. Posso não ser especialista em sentimentos, mas sei como a maior parte das pessoas se comporta. Mesmo você sendo diferente. Levou poucas semanas até conseguir te colocar na minha cama. Menos ainda para te manipular a se mudar para minha casa.
Sim. Estudei você. Seus medos, seus anseios, seus desejos, seus hobbies, seus gostos, seus pensamentos mais sombrios. Quando você se surpreendia por ambos gostarmos de certas coisas, eu apenas estava te manipulando. Mas tudo o que me importava era seu sorriso.
Mas lembro do seu olhar, na segunda semana em que morávamos juntos. Seu olhar e o sorriso nos lábios, vendo o sangue escorrer de um corte que fiz ao me barbear. Hipnotizada. Percebi, então, um ponto fraco que você nunca havia deixado transparecer.
Guiei você por esse caminho. Devagar. Sugestões. Filmes. "Acidentes". Apenas para te levar a confessar seu desejo por sangue. Mais alguns dias, e você já estava louca para sentir seu próprio sangue escorrer. Chegava a me divertir de tão fácil que foi.
Lembra como começamos? Pequenos cortes. Somente a pele. Finos filetes de sangue. Mas você... seus olhos brilhavam e o sorriso surgia no seu rosto. Conforme continuamos, você reclamava da dor. Lembra quando atravessou a mão com a faca de desossar? Me divertir muito vendo o misto de dor e prazer no seu olhar. Vocês e seus sentimentos. Basta puxar algumas cordas, e fazem tudo o que quero...
O tempo passava e nossas "sessões" continuavam. Estava te treinando. E você progredia maravilhosamente bem. Mas, mesmo assim, estava começando a me entediar. Apenas seu sorriso ainda chamava minha atenção. Eu queria, quase precisava dele. E você sempre me presenteava com o mais lindo dos sorrisos.
Mas precisava terminar. Estava demorando demais. Comecei a fazer sua cabeça, que eu sabia como fazer você sentir prazer como nunca antes. Você pareceria com medo, às vezes, mas não queria parar. Aquele domingo, você praticamente implorou que eu te mostrasse. Era o que eu esperava.
Fomos para minha casa de campo. Longe de todos, você poderia experimentar minha surpresa. Você estava nervosa no carro. Parecia... sim, parecia uma drogada em crise de abstinência. Tinha que me segurar para não gargalhar vendo as emoções competindo dentro de você.
Chegando lá, você queria começar logo. Convenci você a esperar pela noite. Jantamos. Transamos pela última vez. Te guiei até o banheiro, e tomamos nosso último banho juntos. Você estava na e ainda molhada, pisando no frio chão do banheiro, quando perguntei se ainda queria. Seu sim saiu quase desesperado.
Peguei seu canivete favorito. Comecei um corte na sua perna e fui subindo. Leve, para te preparar. O sorriso voltou aos seus lábios. Seu corpo tremia. Segui com o corte, fazendo um ziguezague pelas suas costas nuas. Passei pelo ombro, e ao redor dos seus seios. Olhei nos seus olhos e perguntei se estava gostando. Seu sorriso dizendo que sim foi o mais lindo de todos. Em um segundo, o canivete passou por sua garganta. Uma sombra passou pelo seu sorriso, tornando-o magnífico. O chão já estava rubro com seu sangue, e seu corpo nu também logo ficou. Você tentou falar, mas não conseguiu mais. Era o fim da nossa história.
Mas guardei seu sorriso. Todos os dias olho para a foto que tirei no seu último momento. Imagino se algum dia encontrarei alguém como você. Duvido. Por isso você continua em minha mente. Por isso ainda admiro essa foto. Apenas uma sombra do seu sorriso, mas que ainda hoje quase me faz ter sentimentos pelo que passamos.