Ar Poluído
Romão de Fonseca
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 26/08/17 02:00
Gênero(s): Cotidiano Reflexivo
Avaliação: 9.73
Tempo de Leitura: 2min
Apreciadores: 8
Comentários: 6
Total de Visualizações: 941
Usuários que Visualizaram: 11
Palavras: 326
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Notas de Cabeçalho

https://www.youtube.com/watch?v=u-e7_RaUePM dê play, o texto é secundário

Capítulo Único Ar Poluído

Já era tempo de deixar o passado, as mágoas, os arrependimentos para trás. Já era tempo. As discussões, as alegrias, as trocas de carinhos, os desejos mais sóbrios e os mais ébrios que findados ao mais alto de seu inconsciente agora aflora num despertar. Já era tempo. Enquanto na cidade as pessoas riem, choram e também discutem quase que com o mesmo vigor, aqui, onde se está, tudo é deveras estranho, pesado e cansado. Os gatos fedidos andam para lá e para cá, os cães igualmente mau cheirosos e raivosos correm atrás daqueles que não puderam ter a chance de descansar mais.

Nessas estruturas estranhas, concretas e cinzas, o sentimento é, aparentemente, deixado de lado, quase como uma tentativa constante de homicídio contra o devir. Na figura do relógio, ele que não perdoa nem os mais felizes e alegres seres humanos: o próprio tempo. E a cada tic, um rim, tac, fígado, tic, pulmão, tac, coração. Quando você menos percebe, tocou-se o sino, morto. Essa dor maldita na lombar que não passa, tic. Essa vontade louca de ir além, tac. A necessidade de nunca mostrar-se fraco, tic. E um grande abraço na despedida, tac.

Para além do mundo existente: aquilo que não percebemos, ainda que necessariamente estejamos infimamente ligados – o inconsciente. A cada piscada dos olhos, um sinal de que algo passou, desapercebido, despercebido, inquieto e a certeza, de que perdeu-se algo, só num piscar. O sorriso falso necessário para socialização com esses outros diferentes e estranhos malucos que não param de se gostar. A virada de rosto para os que não sabem ignorar. E o eterno não com aqueles que tentam, por algum motivo, aproximarem-se.

No dia, na tarde e na noite, sob os olhares medonhos desses carros, que piscam e fazem tanto barulho. A gritaria da rua açoita os ouvidos dos que não têm nada com isso. Andar já não é tão prazeroso, respirar dói. E eu nem sei o porquê. Que ar poluído.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Desculpem pelo texto ruim.

Obrigado e obrigado.

Apreciadores (8)
Comentários (6)
Postado 28/08/17 14:35

Como assim desculpar pelo texto ruim? Onde está esse texto ruim? Tudo que vejo aqui é simplesmente maravilhoso.

De tudo, o que mais me encantou foi o tic, tac. Talvez por eu ser uma amante de textos que falem sobre o tempo, em particular sobre esse barulhinho que fica ecoando nos ouvidos.

"Andar já não é tão prazeroso, respirar dói. E eu nem sei o porquê. Que ar poluído."

Verdades. Verdades. Verdades.

Parabéns!

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Postado 29/08/17 09:52

Olá.

Fico feliz que tenha gostado. Também me faz algum sentimento de curiosidade quanto a esse barulhinho.

No mais, achei o texto ruim mesmo, mas é sincero de coração.

Obrigado e obrigado pelo caridoso comentário.

Postado 13/11/17 14:28

Não se desculpe pelo texto ruim, de forma nenhuma. Foi uma leitura agradável, com períodos e frases que fluem de uma forma coesa, unida e inseparável — e é exatamente por isso que recebe o título de agradável. Parabéns!

Seu texto tem uma sonoridade agradável, uma atmosfera triste e cinza, cor de cidade triste, como todos esses ambientes urbanos em que vivemos hoje. O modo como a fugacidade do tempo e da vida foram mostrados aqui foi espetacular, e acho que olhar para o infinito enquanto reflito a respeito é a melhor opção.

"E a cada tic, um rim, tac, fígado, tic, pulmão, tac, coração. Quando você menos percebe, tocou-se o sino, morto." — um destaque especial para essa frase, a minha favorita.

De novo, parabéns pelo texto!

Postado 13/11/17 16:32

Olá.

Felicíssimo por ter apreciado meu texto. Eu não sou bom em responder à altura de um comentário tão gracioso, resta-me, então, as felicitações e agradecimentos.

Obrigado e obrigado!

Postado 13/11/17 19:38 Editado 13/11/17 19:43

A única coisa ruim desse texto é o fato dele ter chegado ao fim. Cada palavra fisgou meus olhos com tamanha maestria, que me surpreendeu. Cada palavra tem seu tom de melancolia trouxe uma visão nova sobre como a vida e o tempo, são findos para os que caminham para o fim.

A sonoridade presente torna cada frase uma melodia estonteante. O uso do tic-tac cativou-me completamente. Quando notei já estava me deleitando nestas palavras tão reais e palpáveis que tu compartilhou conosco, com o som de Chopin trazendo ainda mais profundidade para a obra.

Parabéns pelo texto! Obra maravilhosa!

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Postado 14/11/17 00:10

Olá!

Novamente um comentário bastante caloroso, do qual, resta-me as felicitações e agradecimentos!

Obrigado e obrigado!

Postado 19/11/17 22:22

Concordo com todos os meus ilustres colegas em seys comentários e acrescento: se existe alguma coisa ruim aqui, é o sentimento visceral que esre texto fez (e ainda está fazendo) retumbar aqui no meu peito. Não é algo inédito esta coisa que me assola, pelo contrário. Todavia, esta leitura só fez a coisa toda ficar mais exposta.

Existe como explicar racionalmente uma sensação de "desperdício vital(ício)" misturado com "miserabilidade existencial"? Pois, ao ler e refletir, o que restava deste naco podre cardíaco se fez contrito pela veracidade inegável e inexorável que o texto, feito espelho, esfrega na minha maldita cara feia e entristecida.

Perdão. Perdão. E obrigado... E parabéns, claro. Sempre...

Atenciosamente,

Um ser poluído, Diablair.

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Postado 22/11/17 19:36

Olá

Mr. Diablair. Novamente, muito obrigado pelo comentário esplêndido! Um ode aos seus comentários, que conseguem, por vezes, serem tão profundos quanto os textos daquele que o escreve.

A conclusão é inócua, a vida nos esfrega e esfrega e esfrega a nossa realidade medonha.

Obrigado e obrigado, sempre!

Postado 11/12/17 17:39

Fica difícil comentar depois dos melhores! HAHAHA

Enfim, esta obra me remete a dias tristes, cinzas e abafados que eu tive, e ainda hei de ter... Posso até vê-los, vindo a galope.

Os tica-taques, o tempo... Não acho que ele seja nosso inimigo.

Não precisa ser "uma hora a mais ou a menos", e sim, apenas a hora... Que vai passando, que vai nos deixando mais ricos a cada momento (aos poetas, escritores e pensadores, internamente, aos bancários, em média, alguns milhões...)

Mas de fato, é de desgastar as vistas, os ouvidos, a garganta e e os pulmões, viver em um ambiente tão opressor assim, de qualquer forma, esta obra é linda, visceral, é como me ver de trás pra frente, é como ver a cidade, pelos olhos de quem sofre nela.

Um texto grandiosamente humano, não era para se esperar menos vindo de você! Parabéns por esta obra, me manteve sem ar do início ao fim!

Postado 12/12/17 14:15

Olá

6 de janeiro, muitíssimo obrigado pelo comentário! É deveras dificil ler essas comentários e acreditar que um texto meu possa tirar o ar de alguém. Por tempos, imagino, o próprio tempo não seja inimigo, mas ao destacar nossas fragilidades enquanto seres, ele, no mínimo, nos faz sofrer. Novamente, muito obrigado pelo comentário!

Obrigado e obrigado!

Postado 24/01/18 21:17

Porque a única certeza que temos é que em qualquer horário a morte se fará presente; não há aviso, sinais ou despedidas. Simplesmente acontece, às vezes da noite para o dia, às vezes lenta e dolorosamente. Não importa como, quando ou onde, ela virá com toda a certeza.

Sua obra me remete à uma indagação: o que é o tempo? Seria um amigo ou inimigo? O que de fato ele representa? De qualquer forma, a resposta depende do ponto de vista, da situação que alguém vive.

Do tic-tac específico.

Parabéns!