Já era tempo de deixar o passado, as mágoas, os arrependimentos para trás. Já era tempo. As discussões, as alegrias, as trocas de carinhos, os desejos mais sóbrios e os mais ébrios que findados ao mais alto de seu inconsciente agora aflora num despertar. Já era tempo. Enquanto na cidade as pessoas riem, choram e também discutem quase que com o mesmo vigor, aqui, onde se está, tudo é deveras estranho, pesado e cansado. Os gatos fedidos andam para lá e para cá, os cães igualmente mau cheirosos e raivosos correm atrás daqueles que não puderam ter a chance de descansar mais.
Nessas estruturas estranhas, concretas e cinzas, o sentimento é, aparentemente, deixado de lado, quase como uma tentativa constante de homicídio contra o devir. Na figura do relógio, ele que não perdoa nem os mais felizes e alegres seres humanos: o próprio tempo. E a cada tic, um rim, tac, fígado, tic, pulmão, tac, coração. Quando você menos percebe, tocou-se o sino, morto. Essa dor maldita na lombar que não passa, tic. Essa vontade louca de ir além, tac. A necessidade de nunca mostrar-se fraco, tic. E um grande abraço na despedida, tac.
Para além do mundo existente: aquilo que não percebemos, ainda que necessariamente estejamos infimamente ligados – o inconsciente. A cada piscada dos olhos, um sinal de que algo passou, desapercebido, despercebido, inquieto e a certeza, de que perdeu-se algo, só num piscar. O sorriso falso necessário para socialização com esses outros diferentes e estranhos malucos que não param de se gostar. A virada de rosto para os que não sabem ignorar. E o eterno não com aqueles que tentam, por algum motivo, aproximarem-se.
No dia, na tarde e na noite, sob os olhares medonhos desses carros, que piscam e fazem tanto barulho. A gritaria da rua açoita os ouvidos dos que não têm nada com isso. Andar já não é tão prazeroso, respirar dói. E eu nem sei o porquê. Que ar poluído.