- Ninguém vai vir... ninguém vai vir... ninguém vai vir...
- Já chega disso, ainda está cedo.
- Não, eu sei. Ninguém vai vir, todos me odeiam. Só fingem ser meus amigos porque querem que eu os ajude nas aulas.
- Se fosse assim, por que os ajuda?
- Porque quero ser normal.
- Quer?
- Claro que quero!
- Certo, farei de conta que acredito...
- Você...
A campainha toca. Ela levanta e, correndo, abre a porta. Apenas o carteiro, com mais um postal de sua tia. O mesmo que ela envia todos os anos. Desanimada, volta pra a sala, lendo o que a tia escreveu. Ela já sabe de cor, pois cada letra se repete todos os anos.
- Nem minha tia se importa comigo. Sempre manda essa porcaria de postal!
- Você está exagerando. E sendo dramática.
- Eu fiz os convites. Escrevi com cuidado, fazendo minha melhor letra. Todos sorriram e disseram que viriam. Estavam rindo de mim.
- AimeuDeusnãovaicomeçardenovocomissovai?
- Você sabe que é verdade! Todos me odeiam!
- Ah, eu desisto. Quer tentar?
- Eu? Por quê? Estou adorando isso.
- Vocês duas se merecem mesmo. Estou indo. Fui.
- Ela foi mesmo?
- Somos só nos duas agora.
- Eu gostava dela...
- Gostava? Sempre reclamou dos vestidos rosas, das bonecas, dos enfeites de cabelo...
- Mesmo assim, ela era parte da minha vida...
- Eu também sou, e continuo com você.
- Eu sei. Obrigada.
- Essa é minha deixa. Ela chegou.
A campainha toca novamente. Ela olha pra o lado. Está sozinha. Se levanta e vai até a porta, sem animação, desta vez. Já não se importa se alguém virá ou não. Ainda assim, abre a porta, dando de cara com uma jovem de cabelos negros e longos, pele pálida e belos olhos azuis.
- Olá. Vim para a festa. - diz a jovem, entrando sem perguntar.
- Que... bom... mas... nos conhecemos? Não me lembro de ter te entregue um convite.
- Nos conhecemos agora. E você tem pensado em me convidar, apenas nunca teve coragem. Devia ser culpa daquela sua metade rosa e fofinha. Mas eu gostava dela.
- Do que você está falando? Quem é você?
- Você está meio lenta hoje, não? Não te culpo. Tanto trabalho fazendo os convites, comprando os salgadinhos, o bolo.. - a estranha diz, pasaando um dedo pela cobertura - Delícia.
- Não estou entendendo nada.
- Logo vai, querida... me dê um abraço e tudo passará.
As duas se abraçaram, e foi como se um véu fosse retirado. Ela entendeu. Um sorriso brotou em seu rosto, lágrimas surgiram em seus olhos, seu coração começou a bater forte, tão forte como nunca havia batido.
- Feliz Aniversário, querida.
Quando ninguém se importou com ela, quando ela mesma não se importava mais consigo, ela veio. E o toque da Morte fez toda a dor que sentia se esvair, como o sangue se esvai de um profundo corte.......