A brisa fresca da findada madrugada pairava solene sobre o ambiente silencioso do manicômio BTD. Mais um dia começava e, como sempre, a loucura era incrementada em mais um dia. Os pássaros que antes cantavam saltitantes pelos galhos das árvores ao redor logo se calaram de medo e o local já não era mais tão pacífico assim.
Gritos seguidos de estrondos violentos foram ouvidos por toda a vizinhança. O louco mais perigoso do recinto havia despertado e, dessa vez, não poderia ser sedado. Os funcionários corajosos tentavam segurar seus braços e pernas na vã tentativa de o manter dentro da sala, mas ele desvencilhava-se com tamanha facilidade quanto a de um elefante para uma formiga. O louco gritava palavras desconexas enquanto rodopiava insamente pelo local sem se importar em caminhar pelos restos metálicos do que era sua cama até pouco tempo atrás. O mesmo a havia picotado apenas com a força de seus braços. Seu sangue jorrava dos seus pés desnudos, mas ele continuava a andar tomado pela loucura repetindo incansavelmente as mesmas frases. Os seguranças abatidos no chão nada fariam com dezenas de ossos quebrados e os que estavam do lado de fora temiam pelas suas respectivas vidas ignorando a ordem de seu superior de controlar o louco. O que era um emprego em comparação com os ossos no lugar, não é mesmo?
O superior esbravejava com o advogado da família, argumentando conforme seu nervosismo permitia, as razões lógicas que asseguravam que o insano não deveria ficar com suas veias limpas. O advogado batia o pé cuspindo ameaças de processo contra o manicômio e todos os superiores respaldado pelas diversas leis que ele vomitava sem parar.
— Por que esse cara é tão louco assim? — No andar debaixo, olhando pelas câmeras, um vigilante comentava mais para si do que para o outro ali presente.
— Sei lá, o chefe olha feio só de falar o nome do louco. Ele não gosta que puxem o assunto, mas... — deu uma pausa desejando a curiosidade de seu colega e, ao a obter segundos depois, prosseguiu — eu tive acesso mês passado ao arquivo.
O vigilante saltou da cadeira interrompendo-o.
— Como? Como você teve acesso?
— Ou você descobre como eu tive acesso ou o porquê do cara ser louco. — Seu amigo o olhou torto. — Como eu esperava. — Riu — Pelo que eu li o cara era um religioso fanático, sabe? Do tipo que mata pelo o que crê. E depois dele ter afirmado que descobriu o motivo da vida ele enlouqueceu. Matou alguns dos seus seguidores, inclusive.
— E tem algum registro dessa descoberta?
— Tem. Pelo que eu li era…
— O que diabos vocês estão fazendo aqui conversando, seus inúteis? — Subitamente o chefe do andar invadiu o local abrindo a porta metálica com violência. — Vocês não viram nas câmeras? O louco fugiu!
O desespero tomou conta dos três homens. Era visível o medo em suas faces. Eles haviam trancado a sala e colocado cadeiras de forma que a fechadura não poderia ser forçada. O vigilante mais baixo possuía em sua mão uma glock. Era a única defesa que eles tinham e de alguma forma, lhes trazia uma sensaçãod e segurança.
— Você ouviu isso? — O chefe perguntou mais para si do que para os outros.
— Caralho, cara, puta que pariu! Se esse maluco invadir, dá um tiro na cabeça sem pensar duas vezes! — O segundo vigilante prestes a chorar pediu piedosamente enquanto ouvia gritos de dor além daquele local.
— Não quero morrer, cara… Minha mulher está grávida de três meses! Vou matar com certeza!
Do lado de fora o louco com seus trapos ensanguentados mordia o pescoço do último guarda corajoso que o tentou deter. Arrancou a pele como se rasgasse tecido. O sangue do pobre homem jorrava como torneira enquanto seu grito e espasmo de dor o levava ao chão.
— Vocês têm que aceitar! Vocês têm! Aceitem! Aceitem! Aceitem! — O louco repetia incansavelmente pisoteando a cabeça do guarda já desfalecido.
Um rastro de sangue era deixado pelos corredores do manicômio por onde o homem insano passava. Matou enfermeiras, guardas e outros pacientes com a força de sua própria insanidade. Os últimos que permaneciam vivos eram os três homens na sala de vigilância. Eles mantinham-se em total silêncio, mas sabiam que o louco iria atrás deles. O homem armado permanecia à frente dos outros não tão seguro quanto gostaria de estar.
— Ele está chegando! Eu estou ouvindo ele! Se prepara para atirar!
— Aceitem! Aceitem! — O insano esmurrava a porta metálica.
— O que vamos fazer? O que vamos fazer? — O chefe gritou desesperado ao ver a dobradiça se partir brutalmente.
— Atira nele, cara! Vamos!
Assim o vigilante o fez. Desperdiçou cinco balas, pois a porta era muito grossa para que fosse perfurada e como combo deixou todos na sala desorientados pelo som abastardo da arma. Nessa hora, o louco venceu as dobradiças e lançou a porta à dentro. Suas mãos em frangalhos denunciaram que aquela atitude não lhe custou pouco, mas, ainda assim ele permanecia sério ainda a repetir as mesmas frases.
— Aceitem! Aceitem!
O vigilante armado, ainda desorientado, levantou sua mão mirando tremulamente para o seu alvo insano. O louco avançou, mas tamanha era seu desequilíbrio que errou. Atingiu o ombro. Esse erro lhe custou a vida. Como se um inseto lhe tivesse picado, o louco ignorou o projétil em seu ombro e avançou em direção ao seu atacante. Desferiu-lhe um violento chute lançando seus globos oculares metros à frente.
— Aceitem!
— Nos deixe em paz! — O chefe lançou uma caneca de porcelana.
— Aceitem! Aceitem!
O objeto espatifou-se na face do louco e o mesmo repetiu a frase outra vez. Era como se ele não sentisse dor. Por fim, o antigo Reverendo Mathias eliminou todos os presentes no sanatório. Ao findar do massacre, escreveu nas paredes do local com seu sangue e o de suas vítimas:
“Aceitem o inferno que existe em cada um de vocês. O destino nos fez dessa forma. Não lutem para sobreviver. Aceitem. Aceitem.”