Capítulo Único - Senhorita Jackson
A chuva batia contra o vidro causando um som relaxante, o vento soprava forte, acariciando a copa das árvores e os trovões causavam uma sinfonia sombria em meio a tempestade. Ora sim ora não raios e relâmpagos iluminavam a escuridão da noite, sempre seguidos dos estrondos dos trovões.
Havia tempos que não chovia assim naquela região, mas naquele momento parecia que a tempestade havia atingido todos os lugares do mundo menos aquele quarto de motel. O lugar era um tanto sujo empoeirado, era uma suíte, com uma única cama de casal, um criado mudo e uma cômoda com uma TV em cima dela.
Sobre a cama estava um homem, jovem, porém exausto. Ele apoiava os cotovelos sobre os joelhos e a cabeça sobre as mãos, como se fugisse de seus próprios pensamentos. Claro que fugia deles, pois não importasse o que fizesse eles sempre se dirigiam a ela, a razão de todos seus pesadelos nas últimas semanas.
Lembrava de como haviam se conhecido, de como foi amor a primeira vista. Lembrava-se que ela nunca disse seu primeiro nome, gostava de ser chamada de Senhorita Jackson, e de alguma forma isso nunca o incomodou, era como se no fundo ele soubesse que era melhor nunca saber. Lembrava-se de como ela parecia um anjo, de como seus longos cabelos loiros o lembrava do mais puro ouro que podia existir, de como seus hipnotizantes olhos negros o lembrava um abismo, um abismo cheio de segredos no qual ele gostaria de mergulhar.
Lembrava-se de como ela parecia ser perfeita, impossívelmente perfeita. Esperta, linda, não, estonteante, divertida, engraçada, tudo que procurava em alguém. Seu sorriso iluminava seu dia, sua voz lhe soava aos ouvidos como o canto de mil anjos.
Infelizmente aquilo nunca passou de um sonho, um sonho distante, quase um pesadelo, na verdade, um pesadelo fantasiado de sonho.
Mas foi naquela manhã que tudo mudou. Era naquela manhã que ele iria pedí-la em casamento, iria pedir para que ela fosse inteiramente dele, para que ela fosse seu final feliz. Estava certo disso, era com ela que desejava passar o resto de sua vida.
Mas não conseguia se lembrar claramente de como havia parado ali. Em um imundo motel de beira de estrada, com medo da própria sombra. Certamente tinha algo haver com aqueles olhos, aqueles lindos e hipnotizantes olhos negros. Droga, porque não conseguia lembrar-se?
Ou lembrava? Apenas não queria acreditar?
Não, não podia ser ela. Ela não podia ter todos aqueles corpos em seu porão, não havia matado todas aquelas pessoas. Era impossível.
Naquela manhã quando os policiais invadiram sua casa ele não quis acreditar, negou tudo que pôde. Ela não era uma psicopata, não era uma assassina em série. Não havia matado todos seus maridos, não havia. Não podia. Aquilo tinha que ser apenas um pesadelo. As fotos e todas as provas eram falsas.
Isso, agora lembrava-se. Havia fugido, dirigiu o mais longe que pôde, ela o amava, saberia onde encontrá-lo. Não queria programa de proteção a testemunha, não queria que ela fosse presa.
Ela era seu anjo, sua luz, seu mundo, aquilo não podia ser tudo encenação.
Mais um trovão ecoou pelo local, e ele ouviu a porta ranger. Sabia onde encontrá-lo. Sempre os encontrava, e ele sabia disso, por mais que negasse.
Olhou-a nos olhos, mesmo molhada continuava linda. Sempre estava impecável. Ele se levantou e foi em sua direção, sabia seu destino, mas não queria acreditar, negaria até seu último suspiro. A amava.
– É mentira não é? Me diz que é! – ele implorou.
Ela o olhou nos olhos, e de repente ele soube de todos os segredos que aquele abismo escondia, sentiu a facada no peito, mas isso não o empediu de beijá-la, e nem a impediu de retribuir o beijo. E em seu último suspiro ela aproximou-se de sua orelha e sussurrou:
– Sinto muito querido. – Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios rosados, e a mesma lambeu a orelha dele – Durma bem.
A amava do mesmo jeito.