5h 30min (bip bip bip bip)
E o relógio toca mais uma vez. Olho para o teto, levanto e vou até o banheiro, faço minhas higienes e me olho no espelho. Observo cada traço de meu rosto e fico me perguntando o porquê dele não me perceber, não me notar e sempre fazer o possível pra evitar minha presença. Me arrumo e saio.
No ônibus observo todos os passageiros e fico tentando decifrar o que se passa na vida de cada um: será que são felizes com o amor verdadeiro? O amor verdadeiro existe? Bem, eu não sei, afinal eu nunca o senti.
Desço no terminal do bairro e tomo mais um ônibus para a escola. Desço em frente a uma padaria não muito distante e vou andando até o portão de entrada principal. Olho para o lado e vejo o portão do estacionamento abrindo, pisco os olhos achando que estava fantasiando alguma coisa, sei lá. Mas não! Era ele, ele mesmo. Levanto o braço e dou um aceno a ele, que, como sempre, fica no ar. Ele não se dá nem a educação de um bom-dia.
Entro no pátio e o vejo conversando com alguns professores. Cogitei a hipótese de ir lá dar um bom-dia a todos, mas a timidez tomou conta de mim. Talvez ele não me note porque ele é todo bem resolvido, careca pela idade, barbudo e um corpo meio academia, meio shopp, e eu aqui, magro, cabelo encaracolado, alto, óculos... Aquele aluno com cara de CDF, mas que a nota mais alta fecha em 7.
Decido-me, então, sentar num canto e esperar o horário e subir para a sala. Mais um dia naquela tortura de ver professores explicando, explicando e eu sem entender nada. Mas na aula dele não, fico tanto tempo admirando o ser dele que uma ou duas vezes acabo entendendo a matéria – não que eu queira.
O sinal bate, e a multidão toma conta dos corredores do 2º andar, entro na sala, vejo meus “amigos” - que na verdade são apenas morcegos sugadores - , e sento-me o mais distante que posso daquelas pessoas que apenas fingem que se importam comigo. Talvez eu tenha vindo ao mundo somente para sofrer: feio, sem amigos e tendo uma paixão platônica por um professor.
Ai meu Deus, eu disse uma paixão platônica? Não, isso não pode estar acontecendo. Ele é meu professor! Não posso. Mesmo que ele também me notasse – o que não é o caso – não podemos jamais ter uma relação que não seja entre aluno e professor.
A primeira aula seria Português, mas aquela velha e doente professora mais uma vez não veio, coisa que os alunos já estão acostumados porque aquela velha inútil nunca vem mesmo. Passou pela minha cabeça uma aula vaga, mas a inspetora veio avisar que um professor a substituiria.
Pego meu celular, fones de ouvido e tento escapar daquele mundo colocando uma versão de Take me away, da minha banda favorita Lash. Abaixo a cabeça e fico ali preso no meu mundo, imaginando várias coisas: Como seria minha vida se ele me notasse? Será que eu seria feliz com, ao menos, um bom dia? Pego no sono, já que ia ser mais uma aula insuportável naquele lugar que sequer podemos chamar de Escola. Acordo com alguém me chamando, levanto a cabeça meio zonzo e fico apavorado ao ver ele que mal percebe que acordei e já vai gritando:
- O sono do cidadão aí está indo bem? Gostaria que eu esperasse seu sono acabar para continuar a minha aula? Ou posso dar continuidade?
Senti meu rosto corar no mesmo instante, minha vontade era de morrer, de sair dali correndo e nunca mais voltar. E, então, ele repete:
- O senhor é mudo por acaso? Não sabe nem ter educação com um mais velho?
Fiquei tão extasiado que a única coisa que consegui dizer foi:
- Me desculpe.
Levantei-me e me retirei da sala. Os olhares de repressão dos outros alunos e, principalmente, o dele naquele momento para mim foi o fim. Ele nunca nem me deu um bom-dia. Tenho há 2 anos tendo aulas com ele e acredito que ele nem saiba meu nome.
O sinal do intervalo toca e eu ainda não havia assistido nenhuma aula, a última aula que eu talvez tenha assistido foi a umas duas horas.
Recordo-me que hoje é segunda-feira, e tenho que ficar o dia inteiro aqui, porque meus pais trabalham o dia todo e não posso ficar sozinho em casa. Incrível, não é? Um quase rapaz de 16 anos não pode ficar sozinho em casa!
O intervalo acaba e enquanto todos sobem, decido ficar no pátio mais alguns minutos. Então ouço alguém me chamando. Não levanto a cabeça. Eu queria morrer, isso sim. Para minha surpresa, ele aparece e senta ao meu lado. Era inacreditável aquela sensação: o professor pelo qual eu era apaixonado e que nunca nem havia me dado um bom-dia estava sentado ao meu lado. Eu não disse sequer uma palavra, e ele naquele seu jeito machão diz:
- Lorenzo, está acontecendo alguma coisa?
Fico sem reação, ele sabe meu nome. Minha vontade é de sair gritando aos quatros cantos da terra “ELE SABE MEU NOME”. E pelo fato de eu não ter dito nenhuma resposta, ele insiste:
- Lorenzo, está tudo bem?
Pensei em não responder, mas era melhor aproveitar que ele estava ao meu lado para conversar, nem que fosse para falar do valor da compra do mês dele. Aliás, tudo relacionado a ele me interessa. Logo, meio gago, respondo:
- Sim, está sim, eu, ao menos, acho que está.
E ele meio pensativo, coça a cabeça, pega na minha mão. Naquele momento, senti um choque elétrico rodear por todo meu corpo: desde o dedinho do pé até o último fio de cabelo e, principalmente, um choque fortíssimo no meio das minhas pernas. Minha vontade era de agarrá-lo e passar minha língua por todo aquele corpo que, apesar de ter uns 40 anos, estava bem mais jovem. Pelo que ouço nos corredores, os alunos dão para ele no máximo 35 anos. Ainda com a mão na minha, ele diz:
- Enzo, posso te chamar assim?
Respondo com um sim, balançando a cabeça e ele continua:
- Então, Enzo, faz um tempo que eu ando observando você e percebo que está acontecendo algo. Minha conduta como professor é pensar sempre no melhor para meus alunos, quero que saiba que pode desabafar comigo.
Sinto meu rosto corar e caio em lágrimas. Ele nunca tinha nem me dado um bom-dia nestes dois anos, nunca nem falou comigo, foi tão grosso hoje na primeira aula e agora estava sendo tão meigo, tão fofo...
- Enzo o que está acontecendo?
- Eu te amo, Diego.
Aquelas palavras saíram da minha boca sem eu ao menos perceber. Quando vi eu já tinha falado. Ele me olhou e disse:
- Eu também amo você, Enzo – afagando meu rosto com as mãos – assim como amo todos os meus alunos. Eu amo você também.
E então criei coragem não sei de onde e resolvi me abrir.
- Não, Diego, eu não amo você como professor, eu amo você como homem, eu quero você, nem que seja só por uma noite de amor, mas eu quero você. Eu o amo, eu o amo Diego, eu o amo!
Diego ficou sem reação. Eu jamais deveria ter falado aquilo, afinal ele é meu professor. Como que seriam as aulas com ele daqui para frente? Será que ele falaria para alguém? Ai, meu Deus, eu sou louco, sou muito louco.
O telefone dele toca e ele me pede para esperar um pouco. Ele se levanta e sai com o telefone no ouvido. Fiquei sentado ali ainda processando tudo o que eu acabei de dizer a ele e a única coisa que ele fez foi pedir para eu esperar enquanto falava ao telefone. Fiquei me perguntando: Quem será que ligou?, Será a namorada, a esposa, a filha?
Hora vai, hora vem e nada, acabo pensando que ele não volta, abaixo a cabeça e fico ali, na espera do amor da minha vida que talvez não voltaria mais. Olho no relógio e já são 12h 40min. Saio daqui só às 21h 20 min quando meu pai vem me buscar. Preferia mil vezes era ficar aqui.
Em casa, meus pais fingem a minha inexistência. É como se eu não morasse ali. Ninguém pergunta como foi meu dia. Bom ou ruim, aqui na escola, pelo menos tenho o Diego, que, depois de 2 anos, me notou só agora; mas como ele disse, está me observando a algum tempo já, então, é motivo de felicidade.
Diego volta, se senta ao meu lado e não diz uma palavra. Resolvo quebrar o gelo:
- Achei que não voltaria depois de tudo o que eu disse.
- Como não voltar, você é um garoto tão sensível, merece atenção. Não posso jamais virar as costas para você. Por mais que não seja correto, temos que esclarecer para não ficar pesado nosso clima durante o ano. Não concorda?
Meio sem jeito só balanço a cabeça.
Ficamos ali um tempo sem dizer sequer uma palavra. Ele olhando fundo nos meus olhos e eu nos dele. Eu não tinha nada a perder, meus pais fingem que não existo e então resolvi beijá-lo. Aproximei-me mais perto e mais perto e pude sentir nossos lábios se tocarem. Ele pôs suas mãos em meus ombros e por um momento achei que ele me empurraria, me bateria e faria um escândalo chamando atenção de todos. Mas não, ele não hesitou, pelo contrário, me beijou também. Ele retribuiu meu beijo, e, no meu ouvido, disse:
- Vamos para um lugar mais reservado, aqui alguém pode nos ver.
Nos levantamos e saímos dali. Aquilo não podia estar acontecendo. Fomos para a sala de vídeo que estava vazia e mal fechamos a porta ele me empurrou contra a parede e começou a me beijar... Começou a passar sua língua pelo meu pescoço e pude sentir o seu membro crescer dentro das calças skinny, que ele usava tanto. Ele começou a se despir e, lentamente, foi tirando minha blusa. Eu não podia acreditar que ele estava de cueca na minha frente. Pude ver todos os traços de seu corpo, ele era um homem maravilhoso.
Ele me pegou nu em seu colo e me levou para a mesa do professor, me deitou e foi passando sua língua por todo meu corpo. Quem diria que um dia eu ia sentir a melhor sensação da minha vida? Eu estava ali, com o amor da minha vida, sentindo ele passear por todo o meu corpo.
Naquele momento tudo apagou da minha mente. Eu só pensava nele, só pensava em nós. E ali, naquela sala de vídeo, a tarde, ele me amou. Eu tive toda certeza do mundo: ele me amou assim como eu o amo. Não podia acreditar, ele me amou, me amou por completo.
Acordamos às 18h com o celular dele tocando, eu estava envolto em seu corpo, repousando meu rosto em seu peito e seu braço acariciando minha pele. Aquela tarde foi um misto de dor, prazer e amor, muito amor, porque ele me amou.
Ele atendeu ao telefone, disse umas duas ou três palavras e desligou assustado. Perguntei o que havia acontecido e ele começou a gritar:
- Não!!! Isso não pode ter acontecido, você tem ideia do que a gente fez? A gente fez sexo, Enzo, a gente transou. Isso não pode!
Tentei confortá-lo:
- Não, Diego, a gente se amou. A gente não fez sexo, a gente fez amor. Isso tudo foi amor, eu nunca havia me entregado a ninguém. Me entreguei a você porque te amo. Isso foi amor!
- Não, Enzo, amor a gente faz com quem se ama. Eu não o amo, não posso te corresponder. Isso foi uma burrice. É melhor eu ir embora.
Ele pegou suas roupas e saiu, me deixando ali chorando de dor física, dor emocional e de todos os sentimentos de rejeição possíveis. Troquei-me e chorando saí dali.
Desci as escadas correndo, entrei em minha sala de aula aos prantos e sem nem pedir licença, fui até meu lugar, peguei todas as minhas coisas e saí sem dizer uma só palavra. Todos ficam sem entender e começam a rir.
Saí dali decidido a acabar com tudo, ele não podia ter feito isso. Eu o amo, eu o amei e nós fizemos amor. Ainda não sai da minha cabeça a imagem dele passeando com sua língua em meu corpo, sua barba arrepiando minha pele sensível, nunca antes tocada por ninguém. Fui até o banheiro, peguei meu caderno e comecei a escrever:
Diego, isso tudo é culpa sua. Eu te amei e você me amou.
Nós nos amamos, fizemos amor e você faz isso? Quero que
saiba que sim, mesmo depois de tudo, eu ainda o amo
e espero que um dia você possa entender todo meu amor.
Mas quando acontecer isso, eu não estarei mais aqui; até
mesmo quando você ler esta carta, eu não estarei mais aqui
porque, pela falta do teu amor, eu desisto de toda a vida. Levo
comigo apenas nosso último momento na sala de vídeo.
De um louco apaixonado Lorenzo, à sua paixão mais que
Platônica Diego.
Abri minha mochila e peguei meu estilete. Usei-o algumas vezes nas aulas de Artes e agora vou usá-lo para tirar minha vida.
Deixei a carta ao chão, coloquei a lamina do estilete e sobre o braço faço um corte bem fundo. O sangue começou a escorrer junto com minhas lágrimas. Fiz o isso no outro braço. Chorando, me deitei ali e morri. Morri por falta de amor.
Todos podem dizer que sou fraco, que eu poderia ter pedido ajuda a alguém, mas não ia adiantar. Eu fiz amor com o cara que eu amo e para ele não significou nada... Não posso conviver com isso.
A única lembrança que quero ter de Diego é somente a sensação de pertencer a ele, a sensação dele dentro de mim. E, no final, ninguém sentiria a minha falta mesmo. A não ser Diego, que após ler a carta terá que conviver dia após dia com essa dor, esse remorso, até que ele resolva tirar sua própria vida, para que, no além, possamos, enfim, ficar juntos para sempre.