Se sob meus pés sinto espinhos,
são os espinhos que amaria fincar
na carne podre de meus semelhantes,
nos olhos e nas línguas,
em suas feridas esfoladas.
São mil sóis que brilham em minhas mãos,
mil lampejos de horror que queimam e aniquilam
nos corações de meus irmãos,
nos suspiros de seus pulmões
perfurados,
nos sons de suas laterais
destroçadas.
Sou a sombra de uma estrela morta,
um destruidor de mundos
carcomido pelas esperanças negras,
vermelhas, negras,
amarelas de infecção…
Ideias de faces desfiguradas —
as terras banhadas em néctar rubro...
Um mundo habitado por refugiados:
estigma nas mãos devoradas
de um Deus moribundo,
de um demônio adormecido
nas planícies de um hediondo,
nos campos soluçantes,
implorantes,
onde as epístolas dos amores
dos homens e dos vermes
desfazem em cinzas.
Quero deixar cicatrizes na terra
e nos órgãos de meus próximos,
permanecer a rir enquanto choram,
gargalhar sobre seus cadáveres lamentosos,
gozar entre seus fantasmas,
ser o tumor gangrenado
nos filamentos de suas terminações nervosas.
Seu flagelo é minha euforia.
Completo-me nos incêndios,
nos órfãos abandonados,
nas vestais esgarçadas,
nos miseráveis triturados.
E cada feto que despenca
de cada ventre violado
é a lágrima da alegria
minha,
proibida entre os demais.
Sim, eu me condeno…
o inferno é meu alívio,
o pior dos mundos possíveis é meu
para governar.
(Se cada um pudesse ver,
sentir,
tremer,
que aqui,
onde as serpentes dormem,
forma-se um ovo
de rancor,
de fervor.
Se cada um pudesse ver,
sentir,
tremer,
entender o potencial que jaz
em mim:
a vontade de maltratar,
de assassinar,
tudo que um dia viveu
tudo o que não é meu
para tiranizar.)