Eu sou Maria. Maria das Dores. Um nome bem irônico para uma pessoa como eu. Com tantas opções de Maria, por que logo “das Dores”? Meus pais realmente não sabiam brincar. Ao menos eu não vejo graça nenhuma em uma coincidência dessas. Mas está tudo bem. Sim, está tudo bem. Foi isso que eu continuei repetindo para aqueles que bateram tão insistentemente na minha porta naquela manhã tão normal quanto qualquer outra. Tudo está perfeitamente bem.
Foi só uma leve discussão. Uma coisa normal! E eu acabei... Ah, eu acabei ficando com um pouco de dor de cabeça. Sim, é isso! Dor de cabeça! Foi só isso. Amanhã já vou estar melhor. Não precisa de alarde ou preocupação. Está tudo perfeitamente normal. Não precisa chamar ninguém! Não preciso sair de casa. Meu marido não está em condições de sair! Ele está em tratamento... É muito doloroso para ele. Câncer no fígado! Não tem como operar! Ele não pode ficar saindo assim! Não posso sair de casa! Não desse jeito! Quero dizer, ainda estou com minha roupa de dormir... Minha folgada roupa de dormir.
Não houve jeito.
O carro foi tão desconfortável. Balançava muito. Não gosto de carros em dias como este, mas se eu não gemer alto, ninguém vai notar. Sim, devo manter a pose. Está tudo bem! Eu posso aguentar a viagem. Posso confirmar quantas vezes quiserem que não há nada de anormal comigo. Exclamarei quantas vezes quiserem que nada aconteceu na noite anterior! Posso explicar com detalhes porque o espelho estava quebrado! Vou dizer também o motivo de haver sangue em um único caco de vidro. É só eles não encostarem em mim. Sim, se eles não encostarem ficará tudo bem! Não me toquem! Não precisam disso. Afinal, eu posso explicar tudo, menos o fato de ter uma letra – não é uma cruz, embora pareça muito – talhada nas minhas costas; menos o fato de ter várias marcas roxas na minha barriga – Ainda sinto o cabo da vassoura vindo de encontro a mim... Eles não acreditariam nas minhas mentiras! Seria praticamente impossível eles acreditarem.
Eu sou Maria. Maria das Dores. E fui espancada mais uma vez pelo meu pobre marido doente, mas está tudo bem! Afinal, ele vai morrer em breve.